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Memórias de uma queixa...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.3.09

Tudo ia muito bem (obrigada!) no planeta do sedentarismo, país do ócio criativo, cidade da preguiça organizada. Até que uma reportagem capa da revista IstoÉ, intitulada "Os benefícios de correr" (ei... tudo na vida tem os seus prós... E os seus contras... unf...) abalaria o seu mundinho perfeito. Ela sabia que não estava ficando mais nova com o passar do tempo. Percebeu isso com o surgimento, de uma hora para a outra, de doenças esquisitas, metidas a besta com seus nomes pomposos. Algumas, inclusive, eram as preferidas dos médicos quando nenhum exame acusava nada; aliás, em sua maioria, os doutores tinham uma única certeza: se não é a moléstia X, nem a Y, nem a Z, então, bom, "só pode" ser a X1S67-A (de onde ela veio, e o que e pior, para onde vai, entretanto, é outra história cheia de suposições). Não podia mais tomar leite porque sofria de intolerância a lactose (mas eu mamei no peito, uai...). Só que o café preto tinha a tendência de irritar o intestino - SII - (será que intestino tem tpm?). Subir escada deixou de ser uma brincadeira prazerosa para transformar-se em absurda tortura (os vizinhos sempre sabiam quando ela chegava em casa, pois vinha gemendo e reclamando desde o primeiro degrau, até o último). Enfim, a realidade não estava sendo nem um pouco piedosa com ela, e o espelho não negava: celulite na floresta amazônica e arredores, gordurinha no planalto central, estrias no nordeste e sudeste, enfim, coisas sobrando em todo território nacional...
Ela sabia também que àquela famigerada reportagem colocaria em xeque todas as desculpas esfarrapadas até então apresentadas ao seu amado namorado para evitar qualquer tipo de caminhada:

- Amor, vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque tenho que lavar roupa.
- Ué, lava depois que a gente voltar...
- Ahhh, adoraria. Mas é uma mancha de café misturada com a seiva de jabuticada silvestre, e tem que ser lavada exatamente às 18h38m, porque a conjuntura da linha do sol pegando no solado da lua favorece o esbranquiçamento do tecido feito de algodão puro produzido no leste da Malásia...

- Amor, a roupa está lavada... vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque meu pai pode ligar.
- Ué, vai ficar registrado no bina, depois você retorna...
- Ahhh, adoraria. Mas meu pai está passando por uma fase pós-terceira-idade extremamente caótica-sensível, e qualquer tentativa de falar comigo sem sucesso pode gerar uma crise exacerbada de rejeição acelerada pela ausência da minha presença na vida paterno-fetal...

Enfim, ela até tentou esconder a revista debaixo de uma pilha de inutilidades. Mas, não adiantou muito... o radar pró-saúde de seu namorado captou a palavra "saudável" com a mesma eficiência que uma mulher na TPM farejaria uma barra de chocolate disfarçada de laxante natural a milhas de distância.
Ele, na mais profunda inocência, perguntou:
- Você leu a reportagem amor?
- Anrã. Achei meio superficial, nem vale a pena perder seu... (tarde demais, ele já estava devorando a bendita)... tempo.... Aff...
- Superficial? Você achou superficial as 10 páginas seguidas de estudos, testemunhos, fotos, documentários, blá.. blá... blá... (ela nem ouvia mais nada... sabia que tinha perdido a batalha... intuia que a guerra também estava seriamente comprometida)

- E então amor, depois de ler esta matéria, vamos caminhar amanhã?
- Hummm... (bom, seria uma boa oportunidade para eu estrear aquela bermudinha azul, que combina com o tênis e a bijuteria que ganhei no natal...). Ahhh, claro amorzinho, saúde em primeiro lugar (será que tenho uma meia para combinar?).

E o amanhã, finalmente chega (e a porcaria da previsão do tempo estava errada, para variar... cadê a chuva??? e a frente fria???). Ela se arruma com esmero, e, contagiada pelo visual malhação, acompanha o namorado toda animada. Ele, preocupado, comenta que a corrente que ela estava usando, poderia atrapalhar na hora de correr. Ao que ela responde, solícita: - Que nada amor! (aff, me conhecendo, no ritmo lerdo que vou andar, a corrente não vai nem sair do lugar... poderia muito bem estar usando um cocar que também não iria atrapalhar meu... "ritmo"). E chegam no parque (caramba, de longe parece menor essa pista... afff).
E começa a maratona...

Volta 1:
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo, meu tesouro... uhuuuu... Foi uma benção essa reportagem chegar nas nossas mãos. Porque a vida é linda, o amor é belo, você me encanta, e o universo conspira para que os sonhos se realizem... e que delícia caminhar entre esses cachorrinhos lindos que brincam por aqui...
Daqui a pouco tempo vou estar correndo igual àquela moça loira simpática de agasalho vermelho... nooosssaaa, ela correndo daquele jeito e ainda tem fôlego para distribuir sorrisos... (e embalada pela liberação momentânea de endorfina por todos os seus poros, ela seguia saltitante pela pista de corrida, saudando o céu, o sol, os pássaros, o mar, enfim, a vida ma-ra-vi-lho-sa que se desenrolava ao seu redor... E ela inspirava o ar puro por seus pulmões virgens de exercícios, deixando as narinas absorverem aquele nectar dos deuses. Abria os braços de forma a poder abraçar todo aquele cenário benfazejo).
Volta 2: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo... uhuuu... Que coisa gostosinha que é essa tal caminhada. É só não andar muito rápido e respirar ao mesmo tempo. Olha só... a loirinha sorriu novamente... puxa vida,
que gente de bem com a vida (e ela continuava encantada, aspirando oxigênio e louvando aquele momento de encontro sagrado com a natureza).
Volta 3: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor... uhuu... Putz grila, daqui a pouco tropeço numa destas bolas de pelos que estão correndo soltos por aí. Se tiver que desviar mais uma vez, vou ligar pra carrocinha. Cachorrada chata, tá doido... Ahhh, não acredito que essa bisca loira-à-lá-blondor passou por mim de novo sorrindo? Fala sério? Só pode ser efeito de anabolizante... ela faz bem o tipinho mesmo com aquele collant vulgar (continuava caminhando, a passos, cada vez mais tropeços... mas evitava erguer os braços para não dar cãimbra... também fechou a matraca para economizar oxigênio).
Volta 4: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhu... Olha aqui "meu filho", acho que precisamos repensar a relação. Cara, o que é que tu tem contra mim? Só te dou amor e compreensão, e é assim que me retribuis? Tentando me matar de forma lenta e dolorosa? Te acostuma com a celulite, porque ela é de estimação... e a aponevrose já veio de fábrica. Se eu não estivesse tão moída, quebrava os dentes desta loira-filhote-de-cruz-credo... está rindo de que a infeliz? Ela já não cozinha mais na primeira fervura... (E o corpo começou a responder de forma cadenciada.... a perna ameaçou fazer greve caso não fosse cumprida a risca o horário de descanso... os braços simplesmente paralizaram em protesto silencioso... o pulmão já não aguentava mais aquele ar puro todo... a boca seca clamava por uma coca-cola gelada... normal, pelo amor de Deus... me oferece a "zero" se quiser conhecer Jesus mais cedo).
Volta 5: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhuiiiiiiiiiii...Vou queimar essa droga de revista em praça pública, ela é um perigo para a saúde dos incautos. Aliás vou acionar judicialmente por propaganda enganosa, afinal, ela alardeia que a prática da caminhada leva ao paraíso... só esquece de alertar que, primeiro, tem um estágio obrigatório no inferno. (E ela, ofegante... se arrastava na pista... E a tal da endorfina? A "en" deu no pé logo na segunda volta. Já a "fina" caiu dura na quarta. Só ficou mesmo a droga da dor... essa não arredava o pé... grudou feito carrapato. Aliás, ela tinha que escolher: ou respirava ou caminhava ou piscava, porque os três juntos era impossível).
Volta 6: - (...) ai... ui...

De volta ao doce lar (de onde, diga-se de passagem, não deveria ter saído), ela rasteja até o sofá e se entrega a exercitar os músculos de seu cérebro (esse tipo de exercício, sim, é inofensivo) Assim, pensando com seus botões (qualquer tentativa de levantar os botões poderia se tornar desastrosa), ela decide que não se deixará abater... afinal, não vai ser uma mísera dor insuportável em todas as fibras de seu ser, aliada a um intestino irritável estressado, sono, dificuldade para respirar, se mexer e raciocinar, que vai impedí-la de voltar a caminhar... afinal, como dizia a sábia filósofa Scarlett O'hara, amanhã é um novo dia (pena que ela terá que esperar a ligação do pai dela que quer saber, com riqueza de detalhes, a mandinga certa para se livrar da mancha de café misturada com essência de jabuticada silvestre... nossa... é o tipo de conversa que poderá levar meses... seu pai demora um pouco para entender...).

PS: Qualquer semelhança com o que aconteceu nesta semana, é mera coincidência...

1 Comments


Oiiii
Feliz dia do blogueiro pra você!!!
Tem selinho pra vc lá no meu espaço em comemoração ao dia do blogueiro!!!
Bjus
Janini

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