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Parabéns Vó Minda

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 7.11.11


Hoje acordei com um cheirinho de lambe-dedo invadindo minha alma. Corri até a cozinha, e o silêncio me trouxe de volta à realidade: a festa de aniversário era no céu!
A premissa de que o tempo tudo cura, não se aplica a certas saudades. Algumas pessoas marcam nossa vida de tal forma, que sua presença permanece forte, a despeito da ausência física. São tão especiais e singulares, que quando as asas da morte as levam para o encontro de Deus, em seu lugar, ao invés do vazio, permanecem, intactas, as lembranças... 
 
Minhas melhores memórias, assim como as de meus irmãos, não coexistem com televisão, computadores, celulares ou video-games. Muito pelo contrário. Elas emanam de uma casinha simples, rodeada por um quintal grande e cheio de promessas. Na casa da minha avó Minda não existia regras. Era o nosso mundinho de fantasia particular, onde nossa criatividade era posta a prova e tudo se revelava possível. Ali, naquele ninho de carinho, podíamos ser crianças sem nos preocupar com qualquer tipo de protocolo.

Lembro como se fosse hoje. Minha avó, sempre cheia de trabalho e afazeres, acordando de madrugada para ajudar meu avô com os cortes de alfaiataria. Isso nunca a impediu de saborear nossa torta de barro; de fazer canudos de mamão para enchermos o quintal com bolhas de sabão; de montar carrinhos de latinha para puxarmos; de desvendar conosco os mistérios do quintal que ora virava caverna de pirata, ora casinha de boneca; de nos levar na quitanda da dona "Mouse", para escolhermos a guloseima da vez; de fingir susto quando pisava nos traques que espalhávamos pela casa (e que quase nunca estouravam de verdade); de colher amora e pitanga direto do pé para nossa sobremesa. 

Sempre que saíamos com meu avô para passear, colhíamos faceiros qualquer pedaço de mato que nos chamasse a atenção. E na nossa imaginação infantil, chamávamos aquelas folhas murchas de buquê. Eles sempre foram acomodados nos melhores vasos e colocados em evidência na mesinha da sala. Enquanto todos viam ramos de mato, minha avó enxergava "flores silvestres". Porque, afinal, cada um percebe a vida e suas nuances conforme sua essência...

Minha avó era do tipo que beijava a ferida para sarar mais rápido. Que guardava qualquer rabisco que fazíamos num papel em uma caixa de preciosidades. Que dormia de mão dada quando tínhamos medo do escuro. Que rezava com a gente a oração do anjinho da guarda. Que tinha o dom de enxergar o melhor das pessoas (em qualquer ocasião). Que dava café com leite e pão para o cachorro. Que anotava num caderninho a data de aniversário de cada um que entrava em sua vida (e de morte também). Que orava diariamente por todos aqueles que amava (e sempre esquecia de pedir misericórdia para as suas próprias mazelas). Que transformava um salário mínimo num milhão de presentinhos. Com ela aprendemos que mimo em excesso não enfraquece o caráter. Muito pelo contrário! Agrados desta estirpe fortificam sentimentos, fortalecem a auto-estima... nos aquecem o âmago quando o vento frio da vida nos açoita a coragem. São sementes de amor que quando lançadas na mais tenra idade, crescem junto com a gente. Criam raízes. E continuam a frutificar, nutrindo gerações com benquerer...

Como toda avó que se preze, transformava a cozinha em extensão de seus afagos. Assim era com o bolinho de batata feito na medida certa para nosso paladar. Os deliciosos lambe-dedos com pitadas extras de carinho, saboreados no café da tarde. Os suspirinhos (com raspas de limão) carregados de afeto, presenteados em cada páscoa, em cada natal, em cada evento importante de nossa vida. Os canudinhos crocantes, recheados de maionese e porções generosas de ternura.  Os sanduíches de sardinha com ovo sempre servidos nos aniversários. Nunca nos preocupamos em anotar as receitas dessas guloseimas. Logo a nossa família, que concentra na cozinha o coração da casa. Na verdade, acho que sempre acreditamos na ilusão de que nossa avó viveria eternamente, emoldurando nossa existência com seus cabelos imaculadamente brancos e seu sorriso fácil...

Toalhas de crochê eram uma carícia a parte. Tecidas ponto a ponto, engomadas com dedicação,  decoram até hoje a mesa de nossas emoções. Falta de dinheiro ou saúde nunca impediu minha avó de presentear seus pupilos. Para isso, contava com sua imaginação e extrema sensibilidade. Meu avô sempre tomava sua cachacinha com limão para fazer a digestão após o almoço, em pequenos copinhos bojudos de vidro. Minha avó embrulhou copinho por copinho, os acomodou dentro de uma caixinha de lata e me presenteou em determinada ocasião. São simples copos de vidro, surrados pelo tempo, mas cuidados e manejados por um amor tão incondicional, que os transformou em cristais. Pelo menos, é assim que os vejo até hoje...

Parabéns vozinha! Sinta-se abraçada. Aquele abraço forte e apertado que só almas afins são capazes de sentir. Celebramos hoje em pensamento o seu aniversário. Porque independentemente de crença, continuas vivendo feliz em nossas melhores e mais ternas recordações. E lá assopras saudável mais uma vela de existência. Juntos saboreamos suspiros com pitadas de amor de avó, batidos no ponto certo do amor: em excesso, misturado com uma doçura que não faz mal a saúde, mas, pelo contrário, fortalece a personalidade e conforta o espírito.

Sua neta,

Sheila

PS1: Vó, viu como a Luana está linda? Como a gravidez realça o brilho dos olhos dela e do mano? O nascimento do Leonardo está se aproximando. Até lá, mima muito esse moleque aí no céu vó. Ensina ele a fazer bolhinhas de sabão. Enche ele de suspirinhos, com doses cavalares de doçura e afeto. Faz brotar nele a delícia de ser criança... como só a vó consegue fazer!
PS2: Cada vez que eu falo um palavrão imagino a vó dando pulinhos no céu. Bom, pensando pelo lado positivo, a vó deve estar super em forma né? Não tenho culpa, foi a ETT que me estragou...
PS3: Vó, hoje, com mais idade, descobrimos que não é o apito do trem que anuncia chuva. O problema é Joinville mesmo, todo e qualquer barulho faz chover na nossa amada terra...
PS4: Quanto as receitas do lambe-dedo, canudinho e suspirinho... seria demais pedir para a vó mandar psicografar? Tenho uma idéia melhor. Da próxima vez que as primas da família Andrade se reunirem, aparece para dar um alô, e aproveita para passar as receitinhas. Acho que não tem perigo delas se assustarem né, afinal, já são umas marmanjas (mas, só para nossa diversão, faz um "buuuuuuu" caprichado).

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Parabéns Vó Cinda.

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 28.8.11



A minha crença na vida após a morte nunca conseguiu aplacar um sentimento tão mundano que me invade de vez em quando: a saudade daqueles que partiram.
Hoje minha avó Cinda faz faria 94 anos de vida. Impossível não lembrar daquele sorriso meigo; da risada contida que balançava todo o corpo parecendo gelatina; do olhar sempre tão dócil; da voz melodiosa e conformada, incapaz de se alterar; do cheirinho de macela que até hoje impregna minhas memórias com aroma de carinho. Difícil esquecer o chocolate "krot" saboreado de forma tão peculiar, melhor nem explicar;
a taça de vinho Sinuelo tinto suave tomada religiosamente durante o almoço; o pequeníssimo gole de cachaça  digestivo depois de saborear a melância; a salada da tia Mariza furtada que sempre acabava num pedacinho de pão muito antes do almoço como alguém que eu conheço; a tangerina e a laranja descascadas minuciosamente, fibra por fibra; o som da televisão ligada todos os domingos no Silvio Santos como alguém que eu conheço; os cartões de aniversário enviados ano após ano, sempre escritos com a mesma letra pequena e arredondada, quase desenhada. E a afeição transferida para as broinhas de coco; o bolinho de arroz; a gengibirra; as batidas de amendoim e chocolate; o temperinho cortado de forma milimétrica e as cucas cheias de farofa? Sinto o sabor até hoje no paladar da minha alma. E a paciência em tecer o ponto certo nas telas de bordado cheias de nuances e curvas? Emolduram até hoje as paredes da minha existência.
Mulher de finos traços e mãos delicadas, travava suas batalhas em silêncio. Enganou quem a julgava frágil. Sua coragem não fazia alarde. Nunca deixou sua docilidade se curvar a doença. Jamais permitiu que sua fé sucumbisse a dor. 
Acredito que não exista barreira intransponível quando se trata de sentimento. Nem mesmo a morte. Por isso, sei que neste exato momento, minha avó está recebendo essas palavras em forma de abraço, e tendo a certeza de que, apesar de ter desaparecido da vista de meus olhos físicos, jamais deixou de habitar o meu coração. Continua vivendo, feliz e saudável, em minhas mais doces lembranças.
Me conforta imaginar que hoje... o céu está em festa.
Feliz aniversário vózinha!
Que Deus lhe conceda mais um sopro de bençãos, e no apagar da vela da saudade, acenda a luz do reencontro espiritual, onde não precisamos enxergar, apenas sentir o pulsar da presença. Que possamos então, saborear em pensamento, através da magia que une dois corações que se importam, um farto pedaço da torta do amor!
Sua neta,
Sheila


PS1: Vó, até que ele esteja nos braços do papai e da mamãe, cuida bem do Leonardo, combinado? Junto com a Vó Minda, claro. Aliás, junta uma galera para ajudar... Porque, se ele puxar o pai dele, já deve estar correndo sapeca desembestado pelos campos da espiritualidade, chutando tudo que se parece remotamente com uma bola de futebol. Haja anjo da guarda e "vanish" para dar conta .
PS2: Vó, eu escrevi na primeira pessoa. Mas a vó sabe que os folgados caras de pau adoram entrar de gaiato nos meus cartões. Já estou até vendo. Vou contar que enviei o cartão e a primeira pergunta vai ser: "colocou o meu nomeeeeee?" Então, para evitar desgastes desnecessários, considere que eu fiz minhas as palavras e sentimentos de toda a nossa família, certo?
PS3: Só mais uma coisa. Se quiser fazer um agrado, pode vir me dar um abraço gostoso que vou adorar sentir sua presença, a qualquer tempo. Agora, não precisa agradecer todo mundo, entendeu? Senão tem gente que vai se borrar toda assustar... muito! (não vou dar nome aos bois ou vacas para não ficar feio né, vó. Não sou fofoqueira.) Assim... se a vó estiver na dúvida, sai fazendo "buuuuuu" para todos na família... aquela pessoa que sair disparada berrando, é a própria. Bom, pensando bem... acho que vai ser mais de uma pessoa correndo... Não esquece de me contar depois. Em sonho, viu vó? Também não vamos exagerar nas demonstrações explícitas de carinho entre o mundo espiritual e o terreno, ok? Neste aspecto não sou nem um pouquinho parecida com São Tomé.
PS4: Hãaa... vó? Além da torta do amor, rola uns brigadeiros de afeto? Quê? Nãooooooo... não precisa ser para a família toda. Dividir o cartão tudo bem. Agora, repartir os brigadeiros? Aí já é abuso né vó? Eles são meus. Só meus!

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Frio...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 15.7.11


Não sabe se é a impessoalidade do frio ou a melancolia da chuva
Mas, a medida que as horas avançam,
sente a agonia se agigantar no seu peito
Conhece esse sentimento com a palma de suas mãos
Sua alma segue o fluxo das estações do tempo
O inverno se instaurou em seu âmago
Vontade de se fechar em concha,
correr para dentro de si e
se aconchegar nas lembranças.
Sempre tão quentinho por lá...

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