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As quatro estações do amor

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.8.09
Soundtrack: Goo Goo Dools - Iris



O amor, sem sombra de dúvida nasce no verão.
Animado pelo calor do sol,
germina com todo seu esplendor no solo mais fértil do coração humano.
Tudo vira poesia,
tudo resplandece...
O astro rei se reflete nos olhares apaixonados,
e derrete sem piedade as geleiras da solidão...

Chega o outono,
e com ele a sobriedade do vento,
que espalha folhas de incompreensão na estrada da ternura.
O céu azul do romantismo adquire tonalidades bucólicas...
E, o que outrora fluía, passa então... a se arrastar...

Não tarda muito para o temido inverno trazer o ar gélido de sua graça,
e uma corrente arrepiante se incorporar ao dia a dia...
Nuvens de melancolia se agigantam...
E...
O amor sofre de inanição
De silêncios
De carinhos não demonstrados
De palavras não proferidas
De dúvidas não sanadas
De telefonemas adiados
De orgulho desatinado
De puro desalento!

Adentra então a primavera,
e o gelo instaurado na estação anterior,
aos poucos se entrega ao colorido deste novo horizonte que desponta.
Timidamente, o que parecia morto... revive!
Flores adornam os lábios em desculpas suaves,
doces juras renovadas exalam no ar,
alimentando a alma,
tão desnutrida pelo descaso...

Mesmo que o outono da rotina tenha levado suas folhas,
e o inverno da negligência congelado suas raízes,
e a primavera da saudade esticado o olhar para outra semente,
quando dois corações estão dispostos a vencer
as intempéries do tempo,
o amor sempre resistirá bravamente,
para ver nascer,
um novo e promissor verão!


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Vazio...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 19.8.09

Soundtrack: Joss Stone - Spoiled




E um vazio vacilante começa a se agigantar dentro de mim
Sinto e respeito sua presença
Meus lábios se calam
Minhas mãos se retraem
Me entrego sem qualquer medo
Meus discursos mais significativos sempre foram proferidos em silêncio 
Minha alma é a única platéia cativa indispensável.

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...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 13.8.09

Soundtrack: Eagle Eye Cherry - Save Tonight




Tem dias que todo o significado escapa do texto e se esconde nas reticências
Por vergonha de expor o verbo foge para as entrelinhas
Onde tudo é permitido e as confissões adquirem nuances palatáveis
Quando o silêncio fala mais alto que as palavras
Melhor deixar o dito
Pelo não dito
...

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Vírus do amor...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 11.8.09

Coldplay - Fix You


Era uma noite quente de verão, e ela virava de um lado para o outro na cama, incomodada com o próprio suor. Até que desistiu de lutar contra a insônia e levantou. Foi para a sala, abriu a porta de vidro, e sentiu o frio do piso do chão da sacada subir lentamente por suas pernas, causando um frisson imediato.
Fechou os olhos e deixou que a brisa acariciasse seu rosto e brincasse com seus longos cabelos cor de mel. No silêncio da noite ouviu os murmúrios da própria mente. No fundo sabia que não era o calor ou a estação do ano que a incomodava.
Encostou-se no parapeito e deixou-se levar pelas lembranças. Eram tantas, e algumas tão suas a ponto de jamais terem cruzado para fora de seus lábios. Existiam somente no seu íntimo, naquele baú onde guardamos o impronunciável.
Era uma mulher atraente, orgulhosa de seus quarenta e "alguns" anos. Passara por todos os estágios consagrados pela sociedade tradicionalista. Entrou solteiríssima para a faculdade de medicina, namorou, ficou, transou, não necessariamente nesta ordem ou com a mesma pessoa. Até que se rendeu a um belo moreno de olhos verdes e coração generoso (até demais, descobriria mais tarde). Casou com toda a pompa e circunstância, e vivenciou tudo que podia, desde a lua de mel dos sonhos, até descobrir-se traída em todos os sentidos. Junto com as roupas dele, jogou fora por bom tempo a autoestima. Excursionou por advogados, juízes, e entrou na audiência de cabeça erguida e "separada de fato". Depois de encerrar anos de sua vida com a homologação de um total estranho, saiu aos tropeços, mas, enfim... separada judicialmente. Anos mais tarde evoluiu para divorciada.
Poucos sabem o quanto sofreu em todos os estágios, e o quanto de si perdeu no caminho. Para ocupar o tempo, transformou seus dias em maratonas infindáveis de cirurgias complicadas, atendimentos particulares na sua clínica, consultas gratuitas em comunidades carentes, e, ainda, plantões esporádicos em hospitais públicos. Cardiologia era a sua área e sua maior paixão desde o divórcio, e quando segurava o coração de outra pessoa em sua mão, sentia-se viva. Talvez, porque o seu próprio peito há muito estava oco, silente, vazio, fulminado pela desilusão.
Estava tão ocupada em cuidar do coração dos outros, que deixou o seu desprotegido. Por isso não percebeu quando "ele" se aproximou, e o soar dos alarmes foi muito tardio. Ela tinha aprendido com o passar dos anos a aperfeiçoar sua blindagem emocional. Mas, ela se conhecia o suficiente para saber que quando o amor achava um jeitinho de burlar suas defesas entrava como um spam, infectando inicialmente seus lábios, e se autoenviando para todos os órgãos de seu corpo, até que enfim, se alojava definitivamente em seu coração. E, Deus sabe que ela lutaria com todas as armas para evitar esse desenlace, sacrificando alguns membros se necessário fosse. Mas, se o inevitável acontecesse, inútil seria resistir. Porque quando o amor se instalava no seu coração, se espalhava tal qual erva daninha, tomando conta de tudo e fincando suas raízes para nunca mais sair. Qualquer tentativa de removê-lo destruiria tudo a sua volta. E era isso que mais a apavorava.
Por isso, desde o momento em que seus lábios (infectados pelo vírus do amor) disseram sim ao convite dele para um jantar a dois no dia seguinte, sua mente passou por todos os estados civis que usualmente aparecem naqueles formulários para aprovação de crédito, revivendo cada fase de sua vida com intensidade. Até que finalmente marcou... solteira! E não porque desdenhava do resto. Apenas porque lembrava uma época em que ela jamais tremeria por causa de uma mísera erva daninha.
Satisfeita com a escolha, voltou para a cama. E o sono finalmente a envolveu com seu abraço sedutor, enchendo seus olhos com a visão da alcova, clamando por concretizar seus sonhos (ou pesadelos)... E ela entregou-se àquele momento, sentindo um calor delicioso invadir seu peito. E dormiu, profundamente, embalada pelo ritmo cadenciado das batidas de seu próprio coração...


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Suspiro...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 16.7.09

Florianópolis irradia magia para além de suas praias e belezas naturais. Ela conserva sua identidade fascinante em museus, restaurantes, praças e, em especial, nas inúmeras feiras de artesanato que se espalham pela cidade. Religiosamente, as quartas e sextas-feiras, diminuo o ritmo ao passar pela feirinha em frente a Catedral, no caminho para o trabalho. Adoro observar como a renda, a madeira, os vestidinhos de boneca feitos de crochê, os hippies com suas batas coloridas, se misturam com a modernidade do executivo engravatado, celulares de última geração, notebooks e tecnologia wi-fi.
Impossível resistir a barraquinha de doces e salgados da "tiazinha", sempre com quitutes convidativos, que presenteiam o paladar com uma explosão de sabores tipicamente caseiros. Foi ali que reencontrei um sabor guardado nos recônditos do meu ser. Suspirinhos com limão, seguindo a receita usada por minha vó Minda desde a minha mais tenra idade. Clara de ovo batida com açúcar em ponto certo, com raspinhas de limão, e um carinho imensurável.
A receita não poderia ser mais simples.
Entretanto o sabor vai além, e mantém uma complexidade que lhe é peculiar, capaz de se amoldar a cada etapa da minha vida, nutrindo incondicionalmente a parte mais colorida de minhas lembranças.
Esse suspiro tem sabor de infância, de criança travessa pulando faceira e esperando o coelhinho da páscoa, de gargalhada fácil ao ouvir o barulhinho crocante ecoar na boca, de alegria ao ver a vovó e o vovô virem de tão longe só para trazer guloseimas para seus três netinhos insaciáveis.
Esse suspiro tem sabor de confidências, de tpm regada a doce, de brincadeiras juvenis, de café com leite em tarde chuvosa, de paixonites misturadas com lágrimas e dor de cotovelo, com pitadas de amor de avó batidos no ponto certo do amor: em excesso, misturado com o tipo de açúcar que não provoca cáries, mas, pelo contrário, produz sorrisos saudáveis.
Agora, no auge dos meus trinta e tantos anos, esse docinho adquiriu um sabor mais adocicado, beirando o emocional.
Especialmente hoje, ele é um suspiro... de saudade!

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Amor bandido...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 7.7.09


Seus caminhos se cruzaram por obra do acaso, em uma tarde chuvosa de outono.
O momento não poderia ter sido mais propício. Estava cansada da sensação de mesmice que havia se instalado em sua vida, e o frescor da novidade logo acendeu seus instintos mais primários. Foram apresentados durante uma das infindáveis e aborrecidas reuniões de trabalho que preenchiam sua agenda abarrotada.
Ela não se considerava uma puritana. Muito pelo contrário, era dotada de uma personalidade ousada, capaz de sobressair-se facilmente nos ambientes mais inusitados. Por isso mesmo foi pega de surpresa. Não estava acostumada a ser ofuscada por outro brilho além do próprio.

Mas foi o que aconteceu no exato momento em que o perfume dele antecedeu sua chegada, impregnando todo o ambiente. Todos ficaram hipnotizados por sua presença marcante. Sua capacidade de imprimir na conversação um ritmo forte, próprio e tremendamente peculiar era inata, e revelava uma intensidade misteriosa e desafiadora. Seu tipo encorpado inebriava as mais incautas, e incendiava os desejos secretos enterrados no âmago de cada um.

Ela ignorou solenemente todos os alarmes que ecoaram em sua mente. Sim, ele era perigoso. Mas era justamente essa particularidade que a atraia, tal qual o zangão marchava voluntariamente para a cópula fatal.

Passado o susto inicial, foi se sentindo cada vez mais a vontade, e a relação extrapolou aquele encontro casual, e foi se estreitando num ritmo tresloucado. Já não mais vivia sem seus encontros diários, muitas vezes furtivos. Perdeu a conta das vezes em que, desesperada por sentir sua presença, pensou em irromper porta afora, tamanha a ânsia por um contato, por mais breve que fosse.
Quando estavam juntos, o tempo parava, e qualquer lugar se tornava palco para a dança sensual que apreciavam ensaiar, e que, invariavelmente, terminava em gozo. Ele tocava seus lábios e apoderava-se com fulgor de sua boca, enquanto ela fechava os olhos em frenesi, e se entregava por inteira àquele momento de puro êxtase, sentindo o calor invadir suas entranhas. Em sua companhia se sentia fêmea em sua forma mais bruta, exalando adrenalina por todos os poros, e ansiando por mais, cada vez mais. Quando enfim , tonta de tanta excitação, abria calmamente os olhos, depois de sorver cada gota daquele instante único, seus lábios irrompiam num sorriso satisfeito.
Foram seus amigos que acenaram o perigo. No fundo ela sabia que a relação estava fora de controle, e que seus encontros estavam adquirindo contornos doentios. Já não exalava o viço de outrora, mas não podia mais se furtar de sua presença. Ele se tornara sua droga particular e a consumia a olhos vistos. Por ele abandonara hábitos, amigos, horários, sono. E haveria de abandonar muito mais, se não tivesse sido levada as pressas ao hospital naquela manhã de primavera, ardendo na febre do desejo que sua ausência prolongada provocava.

Implorou que seus amigos o levassem até seu encontro. Suas súplicas foram em vão. Ele se tornara persona non grata naquela enfermaria.

Aqueles dias nublaram sua mente. Uma tristeza profunda apoderou-se de seu corpo inerte, e nada mais fazia sentido. O brilho de seus olhos foi tragado pelas olheiras imensas que marcavam agora sua face. Uma dor aguda irrompia-lhe o peito, alastrando-se por seu abdômen. Era a manifestação física de sua paixão.

As palavras proferidas sem compaixão pelo médico ainda ecoavam em sua mente, revirando toda sorte de sentimentos e lembranças. Não estava preparada para abrir mão daquela sensação de liberdade desenfreada que ele causava nela. Com ele sentia-se poderosa, indestrutível... viva.

Mas não tivera outra alternativa.

Levantou-se vagarosamente da cama, enfrentou o vazio que embaçava a janela do quarto hospitalar, encheu um copo com água cristalina e sorveu pequenos goles sem muita vontade. Sentou na beirada da cama ainda com o copo na mão, e deixou seu pensamento voar enquanto balançava o líquido transparente e insípido.

Trocou de roupa, pegou suas coisas e enfiou dentro da bolsa a receita médica que escancarava sua sentença de morte. A paleta de sua vida estava prestes a adquirir tons desbotados. Sua existência estava condenada a amordaçar os sentidos. Olhou para o quarto inóspito que se tornara a testemunha ocular de sua agonia e decidiu, ao menos, tentar.

E foi assim que deixou de tomar café espresso... para sempre.


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Duas faces...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 30.6.09



Embarcou no ônibus como fazia todos os dias. Procurou com os olhos a poltrona perto da janela, na última fila disponível. Sentou confortavelmente, acomodando a bolsa no colo e despertando pensamentos cotidianos. Foi arrancada de seus devaneios pelo burburinho que se instalara no recinto. Ao voltar a atenção à realidade, percebeu que estavam presos num congestionamento homérico em cima da ponte, cercados de carros por todos os lados. Buzinas, cenhos franzidos, pessoas irritadas, conversas paralelas que enveredavam para a falta de estrutura digna, e descambavam na corrupção que se instalara na política (como se os problemas do país fossem resolvidos através do verbo despido de ação). Curiosa, observou a nuvem da discórdia lançar sombra sobre o semblante dos demais passageiros, turvando todo o ambiente.
Foi quando meio sem querer olhou para o lado. A cena era hipnotizante. O céu estava imaculadamente azul. O mar parecia um tapete desenhado por mãos divinas, com nuances que passavam pelo verde e escapavam furtivamente para o violeta. Gaivotas famintas faziam rasantes e dançavam sem se importar com possíveis telespectadores. Ao longe um barco solitário balançava ao sabor do vento, dando o toque que faltava no panorama bucólico. Se tivesse o dom artístico pulsando na veia, por certo puxaria um papel e imortalizaria aquela cena merecedora de uma paleta afinada, tamanha a perfeição.
Duas visões de um mesmo ponto.
Dois mundos paralelos coexistindo no limite do confronto.
Duas faces de uma mesma moeda.
Mergulhou profundamente na mansidão daquela paisagem pitoresca, ignorando todo o resto.
Bendito seja o livre arbítrio...

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel
Foto da ponte Hercílio Luz tirada dentro no ônibus trafegando na Ponte Colombo Salles/Florianópolis/SC - 06/07/2007


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Olá Sheila

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 21.6.09


Querida Sheila,


Hoje, 16 de maio de 1985, é uma data muito especial. Você está completando 15 anos de idade e adentrando num mundo novo. Um dos pés insiste em permanecer na infância, enquanto o outro quer pular direto para a idade adulta. Daqui a um tempo, você irá querer mesmo é curtir a adolescência perdida. Paradoxal, como grande parte de sua vida será.

Pare tudo (larga a barra de chocolate já!) e olhe ao seu redor neste momento. O que você vê? Ou melhor, quem colore a paisagem da sua existência? Parece que estou ouvindo você resmungar, no auge de sua rebeldia adolescente. Eu sei, você tem uma irmãzinha de 11 anos, que fará 12 daqui a alguns dias (sim, ela nasceu no SEU mês e ainda teve a cara de pau de vir ao mundo com olhos imaculadamente verdes). Já o seu irmãozinho completa hoje 7 aninhos (sim, ele foi mais ousado e nasceu no SEU dia).
Enfim, eu bem sei por que você chama o menino de "peste". Sim eu sei que ele "roubou" o dia do seu aniversário, e que a sua mãe foi levada à maternidade no meio da sua festinha. Mas, garota, o dia tem 24 horas, 12 para cada um não é mais que suficiente?
(helooooo, "get over it") Pois então, esse "pivete" irá crescer, e se tornar um homem maravilhoso. Mesmo sendo o caçula, saberá guiar o barco da família quando tudo o mais falhar. Você ficará orgulhosa da forma firme com que ele conduzirá a vida dele. E, de presente, ganhará mais uma irmã quando conhecer a pessoa maravilhosa que ele tomará por esposa. Por fim, irá se apaixonar pela criaturinha mais destrambelhada que existe na face da terra. Guarde seu nome: Meguie. Essa labradora espevitada trará novas cores para a nuance familiar.
Você quer saber da "chorona" de 11 anos, que fará 12 em alguns dias? Tudo bem, "peste" também (tinha me esquecido do quanto você sabe ser birrenta). Não se iluda, ela irá se tornar uma mulher forte, batalhadora, linda de corpo e alma. Estará do seu lado e lhe estenderá a mão em alguns momentos cruciais da sua vida. Você se orgulhará das escolhas e conquistas dela, sejam profissionais ou pessoais.

Sabe tudo aquilo que seus irmãos aprontam e hoje irritam você? Num futuro não muito distante, vocês recordarão destes momentos e darão grandes risadas. Sim, eu sei que você não acha a menor graça hoje. Mas os anos afinarão o seu senso de humor, e focarão seus olhos no que realmente importa. Seus irmãos se tornarão seus melhores amigos, portanto, não perca tempo afastando-os. Comece a respeitá-los desde pequenos. Eles serão essenciais na sua existência, e com eles você aprenderá grandes lições. Acredite, muitas serão às vezes em que você se inspirará em seus irmãos mais novos para tomar alguma decisão, ou consertar algum desvio de rota. Curta-os desde a mais tenra idade. Eles são tão maravilhosos em suas peculiaridades, e tão perfeitos até em suas imperfeições, que toda a eternidade será pouco para amá-los e desfrutar de suas companhias.
Dica importantíssima (pelo amor de Deus, ANOTA): quando você começar a trabalhar, e receber seu primeiro salário, compre todos os confeti´s que conseguir carregar. E dê TUDO aos seus irmãos. Não faz essa cara de pouco caso guria, me obedece que sou mais velha. DÁ TUDO PRA ELES! Aliás, faz isso por pelo menos 5 meses seguidos. Você não sabe o trauma que irá gerar nestas crianças se não fizer isso...
Outra dica: Eu sei que você e seus irmãos fazem brigadeiro escondido da sua mãe, e para ela não descobrir jogam a panela fora. Também sei que vocês procuram os chocolates que irão ganhar na Páscoa. E ainda abrem cirurgicamente a caixa de chocolate garoto, tiram os chocolates puros e deixam só os recheados. E depois colam a embalagem com esmalte incolor e colocam de volta. Sei que seus pais sempre ameaçam trocar de marca porque na caixa garoto só tem chocolates recheados. Pois então... pode continuar a fazer isso sem medo. Seus pais nunca irão descobrir e continuarão a comprar as deliciosas caixa garoto.

Não! Você não é adotada (você me sai com cada uma). Os desentendimentos que você tem com seus pais são absurdamente normais. Acredite, com o tempo e o avançar dos anos (e muita cabeçada, diga-se de passagem), você desenvolverá uma certa sabedoria, e entenderá que os seus pais são seres humanos, e, por isso mesmo, passíveis de erros e acertos, como quaisquer outras pessoas. Também eles são aprendizes no jardim de infância da vida. Eles também sofreram, também carregam traumas e desilusões, e, muitas vezes (para não dizer sempre) abdicaram de sua própria vida em prol da sua e de seus irmãos. Com o tempo você vai entender que cada pessoa tem uma forma de demonstrar amor. E que no fim das contas, o que importa não é a forma, mas, sim, o sentimento em si. Seus pais a amam, cada qual da sua maneira. Por isso, ame-os sempre, incondicionalmente. Eles são, e sempre serão, parte indissolúvel da sua vida. Um dia, você lembrará com carinho e saudade, inclusive do pacote de "filhós" que dividiu com seus irmãos, e entenderá que até mesmo as broncas e limites impostos por seus genitores contribuíram na formação da sua personalidade. Quando a maturidade aguçar seus sentidos, e você finalmente enxergar a riqueza que brota do seu cotidiano familiar, será eternamente grata a seus pais.

Seja mais paciente com suas avós. Aceite que elas são de outra época, e não precisam mudar para que você as ame. Mude você! Você não imagina a falta que elas ainda farão na sua vida, e o quanto os sagrados suspirinhos feitos pela Vó Minda, e a tangerina descascada milimetricamente pela Vó Cinda serão importantes no seu contexto de vida.
Preste atenção no que vou dizer agora: a vida impedirá que você esteja ao lado delas na hora em que partirem. A Vó Minda estará transformada pelo sofrimento, e você será compelida a afastar-se. Neste momento, esqueça o rosto contorcido que te fita e reclama e lembre-se da pessoa maravilhosa que povoou sua infância com histórias recheadas de amor, que segurava sua mão quando iam dormir, que colocava os ramalhetes de mato (que você insistia em chamar de flor) no vaso mais belo da casa, que comia seus bolinhos de lama sem se importar com a sujeira.
Não são momentos fugazes que definem uma pessoa, mas sim todo o seu conjunto de vida. Quanto a Vó Cinda, bem, você fará uma cirurgia (calma, nada para se assustar, vais tirar de letra) e mal se despedirá dela, pensando, claro, que a verá logo nos próximos dias. Pois bem, a vida tem outros planos. Ela será levada para o hospital enquanto estiveres fora, e não mais retornará para casa. Por isso, despeça-se sempre de uma pessoa como se fosse a última vez.
Diante de tudo isso que agora compartilho, só posso deixar o seguinte conselho: aproveite cada minuto de vida de suas avós, para mimá-las da mesma forma que elas a mimaram. Acredite, todos os momentos possíveis ainda serão poucos, e você irá se arrepender de cada segundo perdido.

Essas dores que você sente durante a menstruação, bem, infelizmente, você terá que conviver com ela um bom tempo. Tempo demais, arriscaria dizer. Claro, eu poderia lhe dizer exatamente o que você tem, e abreviar um bocado o sofrimento que ainda está por vir. Mas, me perdoe, não posso fazer isso. Você não compreenderá por certo minhas palavras no momento, mas toda a jornada empreendida no sentido de curar esse mal, ira lhe transformar numa pessoa mais forte, mais humana e, principalmente, mais... mulher. Mas, fica aqui pelo menos uma dica: ninguém poderá julgar o que você está sentindo melhor do que você mesma. Por isso, no dia em que um médico duvidar da sua sinceridade, não se questione nem se martirize. Mude de médico! Nunca se esqueça disso!

Faça terapia sem se preocupar com a opinião alheia. Louco é quem passa pela vida sem querer melhorar. Doido é quem tem medo de olhar para dentro. As pessoas que mais desdenham são as que mais precisam de compreensão. Muitas das batalhas que você irá enfrentar na vida serão melhor absorvidas graças ao apoio terapêutico. E nesta hora semanal ou mensal, dedique-se de corpo e alma a sua autodescoberta. Cure suas feridas. Encontre suas respostas. Quando não encontrá-las, reformule as perguntas. Cuide de você como seu mais precioso tesouro. Ninguém poderá preencher seus vazios, satisfazer seus desejos, correr atrás dos seus sonhos. Você se torna responsável por aquilo que cativa, lembra? Inclusive, e, principalmente, por você mesma! Aconteça o que acontecer, encontre na face que te fita no espelho sua melhor amiga. Aprenda com seus erros e não se julgue tanto. Seja paciente e eu lhe prometo: chegará um dia em que você se apaixonará perdidamente... por você mesma (e cá entre nós: você é meio doidinha sim, e não tem terapia no mundo que mudará isso... é o seu charme guria).

Acredite, os maiores revezes que acontecerão na sua vida se revelarão, no tempo próprio, em bênçãos (meu Deus, não estou agourando nada, sua vida não vai ser só desgraça, muita coisa boa também vai acontecer. Perde essa mania de distorcer os fatos desde cedo taurina geniosa).

Muitas vezes você verá as pessoas que mais ama enfrentando seus próprios medos, depressões e toda sorte de obstáculos. Você irá se sentir triste, frustrada, e tenderá a acompanhá-las até o fundo do poço. Controle seu impulso, pois a melhor maneira de auxiliá-las é não caindo junto. Elas precisarão de você inteira e forte para ajudá-las a sair. Você não poderá dar os passos por ninguém, mas nada a impedirá de acompanhar a caminhada, se fazer presente. Por isso, por mais que doa em seu coração o sofrimento alheio, trate de ficar bem. Só assim serás útil. Da mesma maneira que você aprendeu com seus tombos, também os outros precisarão tropeçar para conquistar a firmeza do passo. Seja uma companheira de viagem, mas não se transforme em muleta.

Sabe aquelas vezes em que você se sentiu abandonada, rejeitada e excluída? Você nunca esteve sozinha. Seu anjo da guarda é um capítulo a parte. O Ariel é realmente, de outro mundo... Você vai acertar e errar, e, às vezes, vai errar de novo... mas ele continuará do seu lado. Se quiser senti-lo, é só abrir seu coração.
Dica: passa logo pela fase de imaginar o Ariel com cabelinhos louros cacheados, batinha branca e asinhas de algodão. É humilhante para ele, e brochante para mim. No tocante a anjo da guarda você só precisa lembrar-se disso: George Clooney. Pronto! Acabou! ESQUECE o resto.

Dê o devido valor a cada um que cruzar a estrada de sua vida DURANTE o trajeto. Depois que a viagem terminar e cada um seguir seu próprio rumo, não adianta chorar. Alguns caminhos não podem jamais serem trilhados duas vezes. Por isso... esqueça um pouco o destino, e curta a companhia e a paisagem, pois, em alguns casos, não haverá segunda chance.

Pelo amor de Deus, pára de assistir tanto filme de terror, eles não acrescentarão absolutamente nada na sua vida. Quem viu um filme de vampiro viu todos... (tudo bem que estou lendo um livro de vampiros modernos, mas, vá lá, eu posso e... quer saber, vou usar agora toda a diplomacia que aprendi com muita terapia: CALA A BOCA e faz o que eu digo menina!).

Cuide de sua alimentação. Em determinado período da sua vida você irá parar de comer carne vermelha. Não perca tempo explicando para as pessoas os motivos. Você é senhora do seu corpo. Entretanto, cuide da reposição de ferro. Senão, daqui a alguns anos você terá uma bela anemia. Acredite, você não vai querer passar por essa experiência.

Tire muitas fotos, pois existem momentos únicos que jamais se repetirão. Guarde-as, como se fossem tesouros. Jogue tudo o mais fora. Mas, principalmente, viva intensamente cada um desses momentos. Assim, não fará a menor diferença quando as fotos amarelarem, porque cada pequeno detalhe estará devidamente impresso na sua memória... para sempre (poético o que escrevi não é mesmo? Só que a idade não poupa a memória, então, por via das dúvidas, tira as fotos e faz backup.. em vários lugares).

Poupe... você nunca sabe quando a maré financeira vai virar.

Cultive o hábito de escrever. Escreva para seus pais, seus irmãos, seus amigos, seu amor, e quando não tiver mais ninguém para ler suas palavras, escreva para si. No futuro, você se deliciará com suas implicâncias juvenis, e aprenderá muito com a sobriedade que cresce no seu interior através da vivência.
Dica: esqueça as senhas complicadas para os seus diários eletrônicos. Coloque senhas que sejam possíveis de ser lembradas (por favor, não se esqueça disso! Principalmente quando você ficar tentada a criar uma senha que tenha 16 dígitos. Pelo amor de Deus, o que pode estar descrito num arquivo que necessite de uma senha desta envergadura? Um assassinato? Affe... estou até hoje tentando decifrar).

Bom, "last but not least", óbvio que você quer saber da sua vida amorosa (aliás, é claro que você pulou todo o resto da carta só para ler esta parte... irritante ser previsível não é mesmo?).
Dica número um: ao invés de ficar pulando de cartomante em cartomante para descobrir o nome, endereço e cpf do seu príncipe encantando, atenda ao telefone quando aquela sua paquerinha do colégio ligar (sim, eu sei de tudo, esqueceu?). Aliás, abra uma poupança e guarde o dinheiro que seria usado com as cartomantes. Vamos ficar ricas, isso sim.
Dica número dois: pára de ficar enfiando facas na bananeira da vó no dia de Santo Antônio. Não vai aparecer as iniciais do nome do seu pretenso marido. Você só irá machucar a pobre da bananeira e estragar as facas da mãe.
Algumas pérolas sobre relacionamentos: (1) Nenhum príncipe encantado montado num cavalo branco virá salvá-la (a não ser nos romances da Janet Dailey e da Nora Roberts), e, diga-se de passagem, se por acaso vier, você corre o risco de ficar limpando bosta de cavalo o resto da vida enquanto o príncipe fica belo e formoso assistindo as safadas do BBB (nem vou perder meu tempo explicando a sigla, acredite, não vale a pena). (2) Se você beijar um sapo, ele vai continuar sendo um sapo. (3) Alguns sapos valem mais a pena do que supostos príncipes. (4) Há vida além de sapos e príncipes. Aliás, existe uma fauna inteira a ser devidamente explorada. (5) Esquece essa bobiça de tentar encontrar a metade da sua laranja. Você JÁ É uma laranja inteira (Jesus, só não vai sair por aí dizendo em voz alta "eu sou uma laranja, eu sou uma laranja", porque você vai parecer mais louca do que já é. Caramba menina, eu sei que você nem gosta muito de laranja, ESQUECE A FRUTA, presta atenção na mensagem que estou tentando passar. Affe! Que belo abacaxi...) .
Em tempo: Sabe a cartinha amor escrita pelo LF (viu, não vou revelar seus segredos aqui...) na primeira séria do primeiro grau (meu Deus, como você era precoce menina)? Não jogue fora sua boba. É a sua primeira cartinha de amor (quiça a última... não quero aqui entregar o jogo, mas o bofes de hoje em dia não gostam muito de escrever viu?) ... vai fazer falta quando você montar seu diário eletrônico...

Deixe de ficar sonhando acordada e viva...
Como diz aquele texto maravilhoso "Filtro solar" (não existe ainda no seu tempo? affe, falha minha), talvez você fique solteira, talvez não; talvez você case, talvez não; talvez você se divorcie aos 40, talvez não. O que posso dizer com certeza é que você irá se apaixonar, irá amar, e algumas vezes, as duas coisas ao mesmo tempo. Assim, quanto aos amores que irão por certo povoar sua vida, só posso dizer o seguinte: ame como se não existisse o amanhã. Deixe de se preocupar com a perfeição (ela não existe) e encare os defeitos como parte do pacote. Amores perfeitos existem somente no cinema. Na vida real, eles tem que se adaptar a problemas financeiros, tpm, dor de cabeça, rinite alérgica, vida profissional, pós-graduação e mestrado, filhos, amigos, tentações. Relaxe e você vai descobrir que tempero perfeito na vida de um casal está justamente nas suas pequenas imperfeições. Você irá perceber que será capaz de amar mais de uma vez, e cada uma delas será única. Não caia na besteira de comparar relações. Pessoas diferentes exigem posturas diferentes. Mas, vou tranquilizá-la: se eu tivesse o poder de alterar qualquer coisa no cenário de toda a sua vida, eu trocaria figurinos, falas e até enredos... mas não mudaria um só personagem. Todas as pessoas que entrarão na sua vida são muito especiais. Trate-as como tal, e o amor poderá acabar ou até mesmo transmutar... mas as pessoas, ahhh, essas permanecerão para sempre.

Pare de xingar Florianópolis, e comece a enxergar a beleza da ilha da magia. Você nunca sabe para onde o vento sul da existência poderá levá-la.

Nós duas temos uma longa caminhada pela frente juntas. Passaremos por momentos difíceis, mas teremos uma bela quota de momentos inesquecíveis. E, tudo isso servirá para que nos aproximemos cada vez mais. Juntas vamos empreender uma maravilhosa viagem de autoconhecimento. Muitas vezes, você olhará no espelho e verá a minha imagem. A recíproca será também verdadeira. Somos parte de uma mesma moeda (tá, tá, laranja, que seja... não larga o osso hein?), e mesmo assim, guardamos nossas particularidades. Prometo que estarei sempre ao seu lado. Voltarei a escrever.

Bom, até que eu resisti, mas não dá: anota aí no seu calendário de maio de 2009 (não reclama menina): "Sex and the City" completo por 5 X 39,90 na saraiva.com (não é pornografia... você vai entender no tempo certo, e evitar de gastar uma fortuna... hehehe... até parece né?).

Assinado: Sheila, hoje completando 39 anos.

PS1: Deixa de se preocupar como essa carta chegou nas suas mãos, se ela é verdadeira, se é falsa, se é fruto da sua imaginação ou foi deixada por extraterrestres (fala sério, você continua achando que não é deste planeta? Deixa de ler Stephen King). Vai viver guria, e não me decepcione. Estou na tpm e sem a menor paciência. Ass: Sheila-malvada (sim, ela sobreviveu aos anos e continua ativa e doida. Bom eu não queria deixar ela se manifestar, mas você bem sabe como ela é persuasiva né?).
PS2: A música de fundo é da banda Coldplay. Não, ela ainda não faz sucesso na sua época. Será amor a primeira "ouvida". Escolhi a música especialmente para você... presta atenção na letra... "Look at the stars, Look how they shine for you" (isso mesmo, continua investindo no inglês... o futuro te agradece e eu também... não precisaremos de legenda).

PS3: Quê? Onde estão os tremas e hífens no texto? Não, você não emburreceu com os anos, é que a gramática sofreu uma tremenda modificação. E pelo amor de Deus, eu abro aqui meu coração para você e vens me falar de trema? Affe... o próximo texto será escrito exclusivamente pela Sheila-malvada. Aguarde!

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Página em branco...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.6.09
Não mais desviei o olhar quando a página em branco me encarou, mal disfarçando sua ânsia incontida por palavras.
Pousei carinhosamente minhas mãos sobre o teclado, e deixei que meus dedos deslizassem num ritmo próprio, tresloucado o suficiente para impedir minha mente de acompanhá-los.
Enfim, livres para dar vazão as suas próprias memórias.
Acompanhei sua dança como mera espectadora, sem planos, mapas, correções ou expectativas.
Sem a mínima idéia do conteúdo daquele texto que estava se formando, nascendo aos pouquinhos sem se importar com a minha presença.
Um sentimento familiar me invadiu, e lágrimas tímidas umedeceram meus olhos, sem entretanto rolarem pela minha face.
Era uma festa particular sem direito a testemunhas.
Reconheci de imediato a emoção do reencontro com aquela parte de mim que sempre tem o condão de colocar em verso o impronunciável, traduzir o indecifrável, relembrar o imemorável.
A parte de mim que mais sofre com minhas ausências do mundo real, com aqueles afastamentos inevitáveis, frutos de minhas visitas furtivas aos meus desertos internos.
De tempos em tempos sou abraçada por longo período do silêncio, encharcado de significado. Um silêncio morno, envolvente e enriquecedor. Um silêncio que jamais me deixa só ou permite que a tristeza se acomode. Muito pelo contrário. É o momento de calmaria que sempre se instala depois de alguma devastação causada por tempestades que a experiência impõe ao longo da jornada.
Muito lutei contra essa introspecção. Hoje, aos poucos, aprendo a respeitar minhas estações. Curtir meus verões, respeitar meus invernos, amar minhas primaveras, e, sobretudo, aceitar a poda dos meus outonos. Talvez esteja, enfim, amadurecendo.
Apesar do descanso reparador vital para meu bem-estar, é muito bom sentir novamente aquele rebuliço de palavras ecoando pela mente, tentando fugir por todos os poros, se digladiando entre verbos, adjetivos e substantivos, e explodindo em gozo diante da frase perfeita.
A modernidade nos atropela e nossa atenção é quase que instintivamente atraída para fora.
Diante de nossa relutância em cuidar dos jardins da alma, a própria vida se encarrega de frear.
É quando chocamos de frente com algum obstáculo que nos desfragmenta, nos reduz a meros caquinhos espalhados pela calçada da existência.
Só assim paramos, e somos forçados a prestar atenção a cada ínfima parte de nós. No intuito de restaurar o mais rápido possível o movimento, nos focamos no estrago causado pela nossa falta de atenção. E assim, jogamos fora o que não mais nos pertence, colamos pedaços desiludidos, lustramos lascas empoeiradas pelo esquecimento, olhamos a mesma imagem por diversos ângulos, até que finalmente enxergamos a sua verdadeira face.
Apesar de todo o crescimento que esses momentos nos trazem,
é sempre muito bom estar de volta,
plenamente
... inteira!

"A gente cresce sempre, sem saber para onde"
(João Guimarães Rosa)

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Romeu e Julieta...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 5.4.09
"Aquele que foi ferido pela cegueira, não pode por isso esquecer que perdeu o precioso tesouro da sua vista...
Tu não podes ensinar-me a esquecer."
(William Shakespeare , Romeu e Julieta)



Romeu, o tempo te levou para longe e a impossibilidade de nosso amor vingar na terra infértil da vida atrofiou meus sentimentos. Sigo caminhando diariamente entre rostos desconhecidos sem conseguir me encontrar. Conto os minutos para a chegada da noite, quando então, na calada dos sonhos posso me jogar sem asas ao teu encontro. Guardo no baú das lembranças, preciosidades que me sustentam a medida que tua falta vai minando minhas forças. Um pote com o sabor adocicado dos teus beijos. Um vidro com o brilho imaculado dos teus olhos a me desvendar a alma. Uma caixinha com melodias apaixonadas. Música emanava do meu corpo ao dedilhar de tuas mãos, tal qual uma harpa virgem que revela notas inusitadas em seu primeiro concerto solo. Desesperada, te procurei em outros homens. Mas, na ânsia da busca, também me perdi. Fui reduzida a um instrumento incapaz de produzir qualquer tipo de som, além de um debilitado lamento. Deixei de viver no exato segundo de nossa despedida. Hoje apenas sobrevivo, me debatendo num mar monocromático de memórias coloridas, e desejando me afogar em teus abraços. Dentro de mim ecoam a voz da razão e da emoção. Uma, não mais suporta a privação do teu sentir, e exige que eu te implore para jogar tudo para o alto, esquecendo de crenças e convenções que só servem para te privar do meu amor. A outra, sabe que tal ato tresloucado te quebraria em pedaços, e nem mesmo meu amor sincero seria capaz de juntar os caquinhos. E o silêncio por fim revela a vontade suprema do sentimento verdadeiro. Meu amor te quer inteiro! Nem que para isso esteja condenado a arder no fogo da tua ausência... para todo o sempre! Até que a morte, enfim, nos una...
Sempre tua,
Julieta

Julieta, meu amor. A saudade corrói meu peito... aquele mesmo que outrora batia em descompasso a simples menção do teu nome. Sinto falta de nossas conversas intermináveis sobre o tudo e sobre o nada, que sempre acabavam numa única conclusão: somos um. Duas metades separadas pela ironia mordaz da existência, e condenadas a viverem incompletas.
A tua ausência na minha vida é marcada pela presença, e é neste paradoxo que me encontro preso. É teu rosto emoldurado por um sorriso que vislumbro quando meus olhos encontram a claridade do novo dia que inicia. É a tua imagem que embala meu corpo cansado de tanto sofrimento quando a noite desce com seu manto. Tu derramastes teu amor sobre mim, e ele penetrou cada célula do meu ser , inundando os porões do meu coração até então secos. A essência que guardo a sete chaves no meu âmago é tua. As vezes mergulho no silêncio dentro de mim só para te encontrar. Fui designado a ser teu desde o meu primeiro sopro de vida. O destino está com seus dias de vitória contados. Quando o doce beijo da morte selar meus olhos, e eu finalmente puder me despir desta veste carnal, serei teu e somente teu... livre em espírito. A mortalidade de nosso corpo abrirá a cela que hoje aprisiona nossa alma e libertará, enfim, nosso amor... Teremos então, a eternidade a nossos pés...
Romeu

2

...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 27.3.09

Quando a realidade nos tira o chão
Só nos resta abrir as asas da imaginação
E voar...
Por certo, quando aterrissarmos
Nossos pés estarão mais firmes

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

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Descalça...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 24.3.09

Às vezes é preciso despir a roupa da preocupação
E andar descalça na areia dos sonhos
Sentindo na planta dos pés
A aspereza do permitido
Roçando de leve a consciência
Seduzida por segundos
Pela maciez do proibido
E neste paradoxo de possibilidades
Deixar marcas indeléveis
No exato limite do aceitável
E quando o torpor da fantasia invadir o corpo
Jogar-se entregue nas ondas do destino
Ignorando a bandeira vermelha do medo
Deixando que o mar da vida lave a alma encardida pelo sofrimento
E devolva a leveza da esperança perdida
São esses pequenos goles de silêncio
Que nos permitem atravessar, ilesos, os desertos da existência

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

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Mar...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 23.3.09

Hoje eu me entreguei às ondas do mar
E em suas águas deixei meus medos
Na areia macia firmei o propósito
De me afogar nos meus vazios
E voltar inteira

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

4

Filhós...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 21.3.09

Hoje pela manhã, enquanto comia mecanicamente uma bolacha de chocolate mergulhada no café preto, fui atingida por um momento de nostalgia. Minha memória foi ativada pelo cheirinho do café ou, talvez, pelo tilintar da bolacha na minha boca. De repente, uma série de lembranças adoçaram o meu desjejum.
Meus pais sempre cuidaram da alimentação de seus rebentos com afinco. Nossa mesa tinha o controle de qualidade afiado de minha mãe. Em sua maioria, os quitutes, massas, sucos naturais, geléias, sobremesas, sanduíches, eram feitos pelas mãos maternas. Não escapamos do terrível bife de fígado para manter a anemia longe. Muito menos do fortificante “Emulsão de Scott” com seu indescritível sabor de óleo de fígado de bacalhau. E como esquecer do “leite de magnésia”? Não tenho a menor idéia de sua real finalidade. Mas nunca esqueci seu gosto horrível.
Ignorando toda esta dinâmica, existia o tão esperado final de semana. Naqueles dois dias inteiros algumas regras eram quebradas. Com o devido comedimento, é claro. E hoje, analisando meu passado como um todo, percebo que esses pequenos detalhes do cotidiano se sobressaem, como feixes de luzes coloridas, que dão uma nuance toda especial a minha infância.
Sábado pela manhã era o dia em que comíamos bolacha São Luiz ou "filhós" de chocolate. Aliás, vou me permitir abrir parênteses. Só depois de adultos eu e meus irmãos descobrimos que o nome “científico” do "filhós" era "wafer". Não lembro quem foi que nos ensinou essa pérola. Provavelmente, uma de nossas avós, que, por sinal, são uma história a parte. Mas, até hoje esse fato rende gostosas gargalhadas. Perdemos a conta das vezes em que declaramos, em uma roda de amigos, nossa adoração pelo “filhós”. Cada qual tem sua própria história de vexame particular, caras espantadas, pegações no pé. Mas, hoje lembro com carinho dessa particularidade. É uma piada seleta, com código próprio, e que pertence exclusivamente ao nosso universo familiar.
Era um pacote apenas, dividido religiosamente entre nós três. Lembro como se fosse hoje. Meu irmão abria a bolacha recheada São Luiz, e, primeiro, comia o recheio. Depois, a parte de cima, e, por fim a parte de baixo. Já o "filhós", nós três adorávamos abrir fileira por fileira, apreciando o recheio de chocolate, e depois sentindo o crocante da casquinha estalar na boca. Qualquer artifício que prolongasse aqueles momentos de prazer era usado com sabedoria.
Depois deste manjar dos deuses, era a hora de acompanhar nossos pais ao centro da cidade, onde eles faziam compras, pagavam contas, enfim cuidavam dessa parte burocrática da vida adulta, que pouco nos interessava na época. E nós acompanhávamos, ora de cara amarrada, ora resmungando, ora nos divertindo com as vitrines coloridas e seus apelos. Entretanto, a promessa do meio-dia sempre tinha o condão de nos manter na linha. Claro, antes de fazer um lanche, passávamos na inesquecível banca "Casa das Revistas", onde ficávamos fascinados com a quantidade de revistas e livros cheirando a novidade. E, óbvio, cada qual sairia de posse de seu gibi favorito (o meu era o Pato Donald). Dependendo dos compromissos de meus pais, íamos à galeria Marcos Grossenbacher, que entremeia duas grandes avenidas do centro de Joinville. E lá no meio do labirinto de corredores, entrávamos num boteco familiar, e comíamos uma deliciosa coxinha de galinha caseira, com um copo de mate ou, melhor ainda, caldo de cana. Agora, se a pedida fosse um “x-salada”, daí, por certo, a festa estava feita. Éramos só sorrisos na face – e maionese –.
Quando chegávamos em casa, recebíamos nossa cota-parte de uma barra de chocolate Garoto, ou, talvez, uma caixa de Bis devidamente dividida (preciso dizer que comíamos da mesma forma que o “filhós”?). E saboreávamos cada partícula daquela guloseima, lendo nossa mais recente história em quadrinho.
Depois de toda essa aventura, dormíamos ansiosos, aguardando o domingo, quando então acompanhávamos nosso pai até a "Churrascaria Familiar", onde aguardávamos pacientemente que os atendentes enchessem a marmita de alumínio, e principalmente, a enorme travessa de porcelana que já trouxéramos de casa. O caminho de volta para casa, com o carro recendendo aquele aroma inconfundível do churrasco da Familiar, era uma tortura a qual adorávamos nos submeter. Sentar a mesa e desfrutar do churrasco, molho e maionese (o resto não importava) acompanhado de um litro de coca-cola (outro luxo do fim de semana), era um ritual delicioso. Meus irmãos insistem em dizer que eu, aproveitando o fato de ser mais velha, forte e maior, sempre roubava a melhor parte da carne: o mignon. Eu prefiro acreditar que apenas estava no lugar certo, no momento exato – e com a faca correta nas mãos –.
No final da tarde, saíamos todos de carro, com o rádio ligado, passeando pela cidade, e conhecendo os caminhos, becos e atalhos que só meu pai conhece. E, como sempre, quando estávamos chegando perto da rua de nossa casa, choramingávamos para que nosso pai passasse reto e passeasse mais um pouquinho. Ele sempre passava.
Hoje vejo crianças pequenas se empanturrando de McDonald's e litros de refrigerante, de segunda a domingo, comendo chocolate hora sim, hora não, como se fosse água, tamanha a naturalidade, sem sequer ter noção do que é degustar alguma coisa. Atualmente, os pequenos ganham bonecas falantes e carros eletrônicos na Páscoa, afinal, chocolate perdeu a graça, pois está disponível o ano inteiro. É uma pena. A pressa da vida moderna, acabou por assassinar certos rituais, que são imprescindíveis para um desenvolvimento emocional saudável. São o divisor de águas entre a existência fruída detalhe a detalhe e àquela vivência engolida sem mastigação. A vida, por certo, está perdendo aos poucos seu inigualável e elaborado sabor, e virando fast food.
Claro que na época eu não enxergava isso. O que eu mais desejava era comer dois pacotes de bolacha São Luiz sozinha. E, todo dia! Por certo destilei minha birra juvenil por todos os poros. Mas, hoje, de posse de todas as facilidades que a modernidade coloca aos meus pés, reconheço que foram justamente esses limites impostos pelos meus pais, que fizeram toda a diferença, a ponto de transformar um simples "filhós" numa crônica recheada de lembranças, emoções e aromas. Que eu faço questão de saborear fileira por fileira, deixando o chocolate... para o FIM!

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Memórias de uma queixa...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.3.09

Tudo ia muito bem (obrigada!) no planeta do sedentarismo, país do ócio criativo, cidade da preguiça organizada. Até que uma reportagem capa da revista IstoÉ, intitulada "Os benefícios de correr" (ei... tudo na vida tem os seus prós... E os seus contras... unf...) abalaria o seu mundinho perfeito. Ela sabia que não estava ficando mais nova com o passar do tempo. Percebeu isso com o surgimento, de uma hora para a outra, de doenças esquisitas, metidas a besta com seus nomes pomposos. Algumas, inclusive, eram as preferidas dos médicos quando nenhum exame acusava nada; aliás, em sua maioria, os doutores tinham uma única certeza: se não é a moléstia X, nem a Y, nem a Z, então, bom, "só pode" ser a X1S67-A (de onde ela veio, e o que e pior, para onde vai, entretanto, é outra história cheia de suposições). Não podia mais tomar leite porque sofria de intolerância a lactose (mas eu mamei no peito, uai...). Só que o café preto tinha a tendência de irritar o intestino - SII - (será que intestino tem tpm?). Subir escada deixou de ser uma brincadeira prazerosa para transformar-se em absurda tortura (os vizinhos sempre sabiam quando ela chegava em casa, pois vinha gemendo e reclamando desde o primeiro degrau, até o último). Enfim, a realidade não estava sendo nem um pouco piedosa com ela, e o espelho não negava: celulite na floresta amazônica e arredores, gordurinha no planalto central, estrias no nordeste e sudeste, enfim, coisas sobrando em todo território nacional...
Ela sabia também que àquela famigerada reportagem colocaria em xeque todas as desculpas esfarrapadas até então apresentadas ao seu amado namorado para evitar qualquer tipo de caminhada:

- Amor, vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque tenho que lavar roupa.
- Ué, lava depois que a gente voltar...
- Ahhh, adoraria. Mas é uma mancha de café misturada com a seiva de jabuticada silvestre, e tem que ser lavada exatamente às 18h38m, porque a conjuntura da linha do sol pegando no solado da lua favorece o esbranquiçamento do tecido feito de algodão puro produzido no leste da Malásia...

- Amor, a roupa está lavada... vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque meu pai pode ligar.
- Ué, vai ficar registrado no bina, depois você retorna...
- Ahhh, adoraria. Mas meu pai está passando por uma fase pós-terceira-idade extremamente caótica-sensível, e qualquer tentativa de falar comigo sem sucesso pode gerar uma crise exacerbada de rejeição acelerada pela ausência da minha presença na vida paterno-fetal...

Enfim, ela até tentou esconder a revista debaixo de uma pilha de inutilidades. Mas, não adiantou muito... o radar pró-saúde de seu namorado captou a palavra "saudável" com a mesma eficiência que uma mulher na TPM farejaria uma barra de chocolate disfarçada de laxante natural a milhas de distância.
Ele, na mais profunda inocência, perguntou:
- Você leu a reportagem amor?
- Anrã. Achei meio superficial, nem vale a pena perder seu... (tarde demais, ele já estava devorando a bendita)... tempo.... Aff...
- Superficial? Você achou superficial as 10 páginas seguidas de estudos, testemunhos, fotos, documentários, blá.. blá... blá... (ela nem ouvia mais nada... sabia que tinha perdido a batalha... intuia que a guerra também estava seriamente comprometida)

- E então amor, depois de ler esta matéria, vamos caminhar amanhã?
- Hummm... (bom, seria uma boa oportunidade para eu estrear aquela bermudinha azul, que combina com o tênis e a bijuteria que ganhei no natal...). Ahhh, claro amorzinho, saúde em primeiro lugar (será que tenho uma meia para combinar?).

E o amanhã, finalmente chega (e a porcaria da previsão do tempo estava errada, para variar... cadê a chuva??? e a frente fria???). Ela se arruma com esmero, e, contagiada pelo visual malhação, acompanha o namorado toda animada. Ele, preocupado, comenta que a corrente que ela estava usando, poderia atrapalhar na hora de correr. Ao que ela responde, solícita: - Que nada amor! (aff, me conhecendo, no ritmo lerdo que vou andar, a corrente não vai nem sair do lugar... poderia muito bem estar usando um cocar que também não iria atrapalhar meu... "ritmo"). E chegam no parque (caramba, de longe parece menor essa pista... afff).
E começa a maratona...

Volta 1:
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo, meu tesouro... uhuuuu... Foi uma benção essa reportagem chegar nas nossas mãos. Porque a vida é linda, o amor é belo, você me encanta, e o universo conspira para que os sonhos se realizem... e que delícia caminhar entre esses cachorrinhos lindos que brincam por aqui...
Daqui a pouco tempo vou estar correndo igual àquela moça loira simpática de agasalho vermelho... nooosssaaa, ela correndo daquele jeito e ainda tem fôlego para distribuir sorrisos... (e embalada pela liberação momentânea de endorfina por todos os seus poros, ela seguia saltitante pela pista de corrida, saudando o céu, o sol, os pássaros, o mar, enfim, a vida ma-ra-vi-lho-sa que se desenrolava ao seu redor... E ela inspirava o ar puro por seus pulmões virgens de exercícios, deixando as narinas absorverem aquele nectar dos deuses. Abria os braços de forma a poder abraçar todo aquele cenário benfazejo).
Volta 2: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo... uhuuu... Que coisa gostosinha que é essa tal caminhada. É só não andar muito rápido e respirar ao mesmo tempo. Olha só... a loirinha sorriu novamente... puxa vida,
que gente de bem com a vida (e ela continuava encantada, aspirando oxigênio e louvando aquele momento de encontro sagrado com a natureza).
Volta 3: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor... uhuu... Putz grila, daqui a pouco tropeço numa destas bolas de pelos que estão correndo soltos por aí. Se tiver que desviar mais uma vez, vou ligar pra carrocinha. Cachorrada chata, tá doido... Ahhh, não acredito que essa bisca loira-à-lá-blondor passou por mim de novo sorrindo? Fala sério? Só pode ser efeito de anabolizante... ela faz bem o tipinho mesmo com aquele collant vulgar (continuava caminhando, a passos, cada vez mais tropeços... mas evitava erguer os braços para não dar cãimbra... também fechou a matraca para economizar oxigênio).
Volta 4: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhu... Olha aqui "meu filho", acho que precisamos repensar a relação. Cara, o que é que tu tem contra mim? Só te dou amor e compreensão, e é assim que me retribuis? Tentando me matar de forma lenta e dolorosa? Te acostuma com a celulite, porque ela é de estimação... e a aponevrose já veio de fábrica. Se eu não estivesse tão moída, quebrava os dentes desta loira-filhote-de-cruz-credo... está rindo de que a infeliz? Ela já não cozinha mais na primeira fervura... (E o corpo começou a responder de forma cadenciada.... a perna ameaçou fazer greve caso não fosse cumprida a risca o horário de descanso... os braços simplesmente paralizaram em protesto silencioso... o pulmão já não aguentava mais aquele ar puro todo... a boca seca clamava por uma coca-cola gelada... normal, pelo amor de Deus... me oferece a "zero" se quiser conhecer Jesus mais cedo).
Volta 5: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhuiiiiiiiiiii...Vou queimar essa droga de revista em praça pública, ela é um perigo para a saúde dos incautos. Aliás vou acionar judicialmente por propaganda enganosa, afinal, ela alardeia que a prática da caminhada leva ao paraíso... só esquece de alertar que, primeiro, tem um estágio obrigatório no inferno. (E ela, ofegante... se arrastava na pista... E a tal da endorfina? A "en" deu no pé logo na segunda volta. Já a "fina" caiu dura na quarta. Só ficou mesmo a droga da dor... essa não arredava o pé... grudou feito carrapato. Aliás, ela tinha que escolher: ou respirava ou caminhava ou piscava, porque os três juntos era impossível).
Volta 6: - (...) ai... ui...

De volta ao doce lar (de onde, diga-se de passagem, não deveria ter saído), ela rasteja até o sofá e se entrega a exercitar os músculos de seu cérebro (esse tipo de exercício, sim, é inofensivo) Assim, pensando com seus botões (qualquer tentativa de levantar os botões poderia se tornar desastrosa), ela decide que não se deixará abater... afinal, não vai ser uma mísera dor insuportável em todas as fibras de seu ser, aliada a um intestino irritável estressado, sono, dificuldade para respirar, se mexer e raciocinar, que vai impedí-la de voltar a caminhar... afinal, como dizia a sábia filósofa Scarlett O'hara, amanhã é um novo dia (pena que ela terá que esperar a ligação do pai dela que quer saber, com riqueza de detalhes, a mandinga certa para se livrar da mancha de café misturada com essência de jabuticada silvestre... nossa... é o tipo de conversa que poderá levar meses... seu pai demora um pouco para entender...).

PS: Qualquer semelhança com o que aconteceu nesta semana, é mera coincidência...

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Rasgando o verbo nas entrelinhas...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 17.3.09


Quando criei este blog, não sabia ainda qual seria o rumo de seus versos.
O título, Yada... Yada... Yada..., retirado do sitcom "Seinfield", retratava fielmente esta incógnita...
Textos sobre o nada...
Mas, tudo na vida está em constante movimento
Até as sementes mais despretensiosas
Precisam de tempo para se desenvolver
Amadurecer...
Assim, a medida que os dias foram passando,
E a inspiração foi ditando as regras,
Pude finalmente tirar o véu do rosto
E revelar minha verdadeira face...
Descobri que o que me encanta mesmo
É rasgar o verbo em rompantes que só explodem nas entrelinhas
É colocar na mesma frase palavras estéreis que juntas destilam impacto
É navegar ora na superficialidade dos eventos do cotidiano
Ora na profundidade dos meus sentimentos mais arraigados
É desnudar minha alma sem precisar tirar a roupa das emoções
É esse impulso incontrolável que move meus dedos
E arrebata meu coração.
Muito prazer
Esta
Sou eu!


3

Foto...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 16.3.09

Há algo mágico na arte de fotografar.
Em fração de segundos adquirimos o poder de capturar,
com perfeição,
um momento ímpar.
Aquele acontecimento em específico,
nunca se repetirá com as mesmas
peculiaridades e nuances,
com os mesmos sorrisos e tonalidades,
com o mesmo sentimento realçado pelo flash.
Mas, enquanto estivermos de posse do negativo,
seremos capazes de reavivar o irreproduzível,
reviver o irresgatável,
eternizar o dissolúvel.
E, apesar do galope dos anos,
da modificação natural da paisagem,
da segregação dos elos,
do verão ter sucedido ao inverno infinitas vezes,
de todo flagrante harmonioso ter perdido a sintonia,
do pano de fundo ter desaparecido,
de todo conjunto fotografado estar absurdamente diferente.
Naquela foto amarelada pelo tempo,
tudo vai permanecer,
para sempre,
exatamente...
igual!

6

Brincadeiras...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 4.3.09

Gosto de me revelar através de frases elaboradas
Tanto quanto de me esconder nas entrelinhas
E nesta paradoxal brincadeira
Exposta de uma maneira velada
Vou me descobrindo...

2

Amanhã...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 3.3.09

Acordou naquele sábado cheia de intenções. Abriu os olhos e espreguiçou-se vagarosamente na cama com lençóis de linho florido. Calçou os chinelos macios, evitou o espelho e seguiu para a cozinha. Abriu a geladeira e seus olhos pousaram no pedaço generoso de torta feita com uma espécie de suspiro com o famoso chocolate francês Valrhona, contendo ainda pedaços de nozes e castanhas fartamente acomodados na camada de mousse que finalizava esse doce pecado. Comprara a iguaria na noite anterior, pensando em saboreá-la na companhia de um delicioso café da tarde e um bom livro, degustados na varanda de seu apartamento recém adquirido. Não tinha a menor graça comer tal delikatessen na correria do café da manhã, preparado sem qualquer ritual. Torcendo o nariz diante de tal blasfêmia, apanhou a garrafa de leite semi-desnatado, tomou um gole no próprio gargalo e mastigou três bolachas água e sal.

Enquanto engolia sem muito empenho, instintivamente seus olhos foram atraídos para a garrafa do "Château Lafite Rothschild 2000" que ganhara no natal passado, e ocupava lugar de destaque na adega que instalara na cozinha. Seus instintos mais primitivos imploravam para saborear ao menos um gole daquela preciosidade curtida em barricas de carvalho francês, qualificada pelos especialistas como néctar dos deuses com notas de frutas vermelhas frescas. Mas, havia imaginado como acompanhamento um jantar a dois, luz de velas aromáticas, Marisa Monte cantando baixinho, salmão grelhado ao molho de maracujá, ladeado por uma salada imaculadamente verde, batatas cozidas e arroz branco. Quem sabe até ousaria fazer seu famoso musseline de alho-poró. Era verdade que tinha todos os ingredientes a mão. Faltava era a companhia masculina que se encaixasse perfeitamente neste cenário elaborado. Balançou a cabeça de forma a afastar os devaneios que estavam consumindo preciosos minutos de seu tempo, e retomou o foco.

Seguiu para o quarto, abriu a porta do armário, e, como sempre, seus olhos foram seduzidos pelo cabide bege forrado com seda persa. Ele segurava cuidadosamente o vestido de honra de seu guarda-roupa. Sempre perdia o fôlego quando olhava aquela peça amarela esvoaçante. Comprara o traje numa boutique famosa, em uma de suas viagens a trabalho. Perdera a conta dos locais que já havia imaginado incendiar com essa roupa. Mas, como de praxe, ainda não encontrara o ambiente perfeito para harmonizar com o figurino. Não iria colocar justo esse vestido numa festa qualquer. Amanhã é um novo dia, costumava dizer. Irritada com as interrupções mentais, pegou a calça jeans desbotada velha de guerra, uma camiseta básica branca e foi escolher o sapato. A caixa prateada Jimmy Choo reluzia no canto direito de seu closet. Ganhara como prêmio há três anos atrás, por destacar-se como a mais arrojada e promissora profissional da agência onde trabalhava há mais de uma década. Era o tipo de sapato que conversava diretamente com o ego feminino. Era capaz de transformar qualquer gata borralheira numa Carrie Bradshaw. Haveria de selecionar um evento digno para estrear essa arma da sedução. Quem sabe, pensou, no tão sonhado jantar a dois. Achou graça do pensamento e mecanicamente pegou o tênis branco encardido e confortável que clamava pela aposentaria. Foi atrás do brinco de madeira que comprou na feirinha hippie montada em frente a igreja, e que se revelara seu maior curinga. Antes, porém, deu uma olhada no conjunto delicado de berloque e brincos de ouro branco 18k e diamantes que ganhara de sua mãe em uma data especial qualquer. Sempre que os tocava, sentia-se envolta numa aura de proteção. Talvez por isso, considerava-os mais do que jóias: eram um amuleto. Até pensou em colocá-los, como aliás, sempre pensava, mas, para ir ao supermercado? Não tinha o menor cabimento, pensou, franzindo a testa. Passou para o cômodo seguinte e pegou a mochila marrom, não sem passar os olhos pela bolsa de couro Dior que adquirira por impulso no mês passado, depois de folhear uma revista de moda qualquer, enquanto aguardava sua consulta de rotina no dentista. Pior do que isto! Comprara a página inteira, que incluía uma echarpe de cashmere e seda e chapéu de palha. Anotou mentalmente que teria que dar o jeito de estrear amanhã a bolsa maravilhosa que lhe custara parte substancial do salário do mês, bem como os acessórios.

Titubeou antes de pegar a chave do carro. Passou a mão no telefone, discou os três primeiros números de um telefone mais que conhecido, mas desistiu bruscamente. Sua mãe teria que dar o braço a torcer desta vez. Já estavam nesta guerra silenciosa há quase quatro meses. Mas as palavras proferidas por sua genitora no calor da discussão ainda estavam quentes no seu coração. Até pensara em jogar a toalha e convidá-la para passear, mas, quer saber? Quem sabe amanhã eu esteja mais compreensiva, ponderou.

Passou a mão na mochila e saiu calmamente rumo ao supermercado. Ao passar pela beira-mar sentiu um impulso quase incontrolável de parar o carro e caminhar um pouco, sentindo a brisa e o calor morno do sol. Estava um dia lindo, com direito a céu azul, mar acarpetado e gaivotas se exibindo em rasantes magníficos. Era o típico dia que convidava ao deleite. Chegou a pisar no freio, mas desistiu. Amanhã, jurou, vou me dar essa caminhada de presente.
Estava tão envolvida com seus pensamentos e planos futuros, que não percebeu a agitação que se desenrolava do lado de fora do seu carro. Quando a caminhonete vermelha desgovernada invadiu sua pista e atingiu a porta do motorista, prensando seu automóvel contra o poste, não teve tempo de pensar. Ouviu seu próprio grito, sentiu os cacos de vidro ferirem sua pele, e tudo se fechou em profunda confusão. Viu sua vida se desenrolar em câmera lenta, como num filme amarelado e rasurado pelo tempo. Não sabe ao certo quanto tempo ficou cercada de metal por todos os lados. Na verdade, sequer tinha certeza de estar viva. Ouvia vozes, estalos, marteladas, serras elétricas a pleno vapor, sons que não faziam parte do seu cotidiano. De repente, abriram seu carro como se fosse uma lata de atum. E ela enfim saiu daquele inóspito túmulo de ferro ardiloso a que havia sido reduzido seu veículo.

Os policiais, paramédicos e curiosos a olhavam como olhariam para uma assombração. Não podia culpá-los.
A julgar pelo estado de seu carro, rebaixado a um amontoado de lata retorcida, era quase impossível acreditar que alguém poderia ter sobrevivido. Mas ela sobreviveu. Fisicamente intacta, fora parcos arranhões. Emocionalmente ainda estava presa nas ferragens, tentando entender o que acabara de acontecer. Alguém saiu da multidão que se aglomerara para acompanhar a cena fatídica e a abraçou de forma terna, sussurrando em seus ouvidos: "filha, é um milagre, você nasceu novamente". Ela estava confusa demais, anestesiada com o impacto dos acontecimentos, incapaz de responder a gentileza. Mas as palavras daquela estranha sem rosto ecoaram em sua mente e abriram portas em sua alma. Portas que há muito tempo estavam emperradas.
Resolveu como podia a burocracia com o seguro, guincho e outras faces pragmáticas do acidente. Ainda zonza, pegou um táxi e foi para casa.

Abriu a porta do apartamento vagarosamente, e adentrou seu lar como se fosse a primeira vez. Ligou o som da sala e foi direto para o quarto. Rompeu o lacre do kit de loções para banho "Love Spell"
da Victoria's Secret, que prometia ser uma profusa e deliciosa combinação da flor de cereja, muguet, maçã vermelha, pêssego da Georgia com toque de tamarindo. Enquanto Marisa Monte entoava "Preciso Me Encontrar", tomou um banho demorado, deixando a água reavivar cada fibra de seu ser. Enxugou-se delicadamente e deslizou o vestido amarelo no corpo. Calçou sua sandália Jimmy Choo e finalizou o visual com seu talismã. Foi para a cozinha, não sem antes fitar-se demoradamente na frente do espelho. Abriu a geladeira, rasgou o plástico de proteção das impecáveis cadeiras com estrutura de málaca e trançado de juta e sentou. Queria, ou melhor, precisava sentir a rusticidade do tecido roçando na sua pele. Despejou o Château na sua taça mais cara. Quando sentiu a explosão de sabores que o primeiro gole causou em sua boca, deixou que as lágrimas escorressem livremente pela sua face, dando um toque salgado às notas de madeira. Abriu a embalagem da delikatessen e aqueceu cada célula do seu corpo com o gosto exótico da torta de chocolate. Quando terminou de degustar o último pedaço, deslizou o dedo pelo prato, sentindo a textura areada da cobertura, e presenteou seus lábios com o restinho do sabor. Queria desfrutar na prática, cada gota de todos os prazeres que até então sempre estiveram ao alcance de suas mãos só na teoria.

Ainda embalada por aquele momento único de amor próprio, pegou o telefone e ousou discar todos os números. Sua mãe talvez não tenha compreendido o seu tom de voz, o seu pedido de perdão desengonçado ou mesmo as palavras que pareciam jorrar diretamente de seu coração. Palavras de amor que represara em seu íntimo desde a mais tenra idade e que, enfim, encontraram solo fértil no âmago daquela que lhe dera a vida. Choraram juntas, sem o menor pudor. Deixaram verter com toda a intensidade o sentimento que as unia, mas que esbarrava no orgulho forte de suas personalidades turronas. Fora o momento mais íntimo que desfrutaram ao longo de suas existências. O primeiro de muitos, pensou emocionada. Marcaram de jantar juntas. Desligou sentindo uma leveza que a fazia flutuar através de emoções até então desconhecidas. Olhou para o sol espetacular que ainda teimava em brilhar no horizonte e saiu.

Ninguém entendeu quando ela adentrou para caminhar na pista da beira-mar envolvida em brilho da cabeça aos pés e vestida com um glamour digno de festa VIP. Ela não se importava. Não agora. Nunca mais. Hoje era tudo que ela tinha. Afinal, o amanhã poderia se revelar um dia cheio de promessas irrealizadas.

E assim seguiu caminhando, a passos lentos mais firmes, sentindo o acariciar do vento na face e enchendo o ar daquela manhã ensolarada com seu perfume de maçã vermelha e pêssego. Estava tão satisfeita consigo que devolvia aos olhares reprovadores um sorriso cuja sinceridade ainda lhe era estranha.
Descobriu, enfim, que esse era o momento mais especial da sua vida. Passou a nutrir sincera afeição por si e, comovida, constatou que estava na melhor companhia que alguém poderia ter. E tudo isso porque sentiu o hálito do destino sussurrar no ouvido de sua alma. Sentiu na pele o poder do quase. Precisou quase morrer para começar a viver.

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