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Suspiro...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 16.7.09

Florianópolis irradia magia para além de suas praias e belezas naturais. Ela conserva sua identidade fascinante em museus, restaurantes, praças e, em especial, nas inúmeras feiras de artesanato que se espalham pela cidade. Religiosamente, as quartas e sextas-feiras, diminuo o ritmo ao passar pela feirinha em frente a Catedral, no caminho para o trabalho. Adoro observar como a renda, a madeira, os vestidinhos de boneca feitos de crochê, os hippies com suas batas coloridas, se misturam com a modernidade do executivo engravatado, celulares de última geração, notebooks e tecnologia wi-fi.
Impossível resistir a barraquinha de doces e salgados da "tiazinha", sempre com quitutes convidativos, que presenteiam o paladar com uma explosão de sabores tipicamente caseiros. Foi ali que reencontrei um sabor guardado nos recônditos do meu ser. Suspirinhos com limão, seguindo a receita usada por minha vó Minda desde a minha mais tenra idade. Clara de ovo batida com açúcar em ponto certo, com raspinhas de limão, e um carinho imensurável.
A receita não poderia ser mais simples.
Entretanto o sabor vai além, e mantém uma complexidade que lhe é peculiar, capaz de se amoldar a cada etapa da minha vida, nutrindo incondicionalmente a parte mais colorida de minhas lembranças.
Esse suspiro tem sabor de infância, de criança travessa pulando faceira e esperando o coelhinho da páscoa, de gargalhada fácil ao ouvir o barulhinho crocante ecoar na boca, de alegria ao ver a vovó e o vovô virem de tão longe só para trazer guloseimas para seus três netinhos insaciáveis.
Esse suspiro tem sabor de confidências, de tpm regada a doce, de brincadeiras juvenis, de café com leite em tarde chuvosa, de paixonites misturadas com lágrimas e dor de cotovelo, com pitadas de amor de avó batidos no ponto certo do amor: em excesso, misturado com o tipo de açúcar que não provoca cáries, mas, pelo contrário, produz sorrisos saudáveis.
Agora, no auge dos meus trinta e tantos anos, esse docinho adquiriu um sabor mais adocicado, beirando o emocional.
Especialmente hoje, ele é um suspiro... de saudade!

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Amor bandido...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 7.7.09


Seus caminhos se cruzaram por obra do acaso, em uma tarde chuvosa de outono.
O momento não poderia ter sido mais propício. Estava cansada da sensação de mesmice que havia se instalado em sua vida, e o frescor da novidade logo acendeu seus instintos mais primários. Foram apresentados durante uma das infindáveis e aborrecidas reuniões de trabalho que preenchiam sua agenda abarrotada.
Ela não se considerava uma puritana. Muito pelo contrário, era dotada de uma personalidade ousada, capaz de sobressair-se facilmente nos ambientes mais inusitados. Por isso mesmo foi pega de surpresa. Não estava acostumada a ser ofuscada por outro brilho além do próprio.

Mas foi o que aconteceu no exato momento em que o perfume dele antecedeu sua chegada, impregnando todo o ambiente. Todos ficaram hipnotizados por sua presença marcante. Sua capacidade de imprimir na conversação um ritmo forte, próprio e tremendamente peculiar era inata, e revelava uma intensidade misteriosa e desafiadora. Seu tipo encorpado inebriava as mais incautas, e incendiava os desejos secretos enterrados no âmago de cada um.

Ela ignorou solenemente todos os alarmes que ecoaram em sua mente. Sim, ele era perigoso. Mas era justamente essa particularidade que a atraia, tal qual o zangão marchava voluntariamente para a cópula fatal.

Passado o susto inicial, foi se sentindo cada vez mais a vontade, e a relação extrapolou aquele encontro casual, e foi se estreitando num ritmo tresloucado. Já não mais vivia sem seus encontros diários, muitas vezes furtivos. Perdeu a conta das vezes em que, desesperada por sentir sua presença, pensou em irromper porta afora, tamanha a ânsia por um contato, por mais breve que fosse.
Quando estavam juntos, o tempo parava, e qualquer lugar se tornava palco para a dança sensual que apreciavam ensaiar, e que, invariavelmente, terminava em gozo. Ele tocava seus lábios e apoderava-se com fulgor de sua boca, enquanto ela fechava os olhos em frenesi, e se entregava por inteira àquele momento de puro êxtase, sentindo o calor invadir suas entranhas. Em sua companhia se sentia fêmea em sua forma mais bruta, exalando adrenalina por todos os poros, e ansiando por mais, cada vez mais. Quando enfim , tonta de tanta excitação, abria calmamente os olhos, depois de sorver cada gota daquele instante único, seus lábios irrompiam num sorriso satisfeito.
Foram seus amigos que acenaram o perigo. No fundo ela sabia que a relação estava fora de controle, e que seus encontros estavam adquirindo contornos doentios. Já não exalava o viço de outrora, mas não podia mais se furtar de sua presença. Ele se tornara sua droga particular e a consumia a olhos vistos. Por ele abandonara hábitos, amigos, horários, sono. E haveria de abandonar muito mais, se não tivesse sido levada as pressas ao hospital naquela manhã de primavera, ardendo na febre do desejo que sua ausência prolongada provocava.

Implorou que seus amigos o levassem até seu encontro. Suas súplicas foram em vão. Ele se tornara persona non grata naquela enfermaria.

Aqueles dias nublaram sua mente. Uma tristeza profunda apoderou-se de seu corpo inerte, e nada mais fazia sentido. O brilho de seus olhos foi tragado pelas olheiras imensas que marcavam agora sua face. Uma dor aguda irrompia-lhe o peito, alastrando-se por seu abdômen. Era a manifestação física de sua paixão.

As palavras proferidas sem compaixão pelo médico ainda ecoavam em sua mente, revirando toda sorte de sentimentos e lembranças. Não estava preparada para abrir mão daquela sensação de liberdade desenfreada que ele causava nela. Com ele sentia-se poderosa, indestrutível... viva.

Mas não tivera outra alternativa.

Levantou-se vagarosamente da cama, enfrentou o vazio que embaçava a janela do quarto hospitalar, encheu um copo com água cristalina e sorveu pequenos goles sem muita vontade. Sentou na beirada da cama ainda com o copo na mão, e deixou seu pensamento voar enquanto balançava o líquido transparente e insípido.

Trocou de roupa, pegou suas coisas e enfiou dentro da bolsa a receita médica que escancarava sua sentença de morte. A paleta de sua vida estava prestes a adquirir tons desbotados. Sua existência estava condenada a amordaçar os sentidos. Olhou para o quarto inóspito que se tornara a testemunha ocular de sua agonia e decidiu, ao menos, tentar.

E foi assim que deixou de tomar café espresso... para sempre.


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