Era uma vez duas histórias de vida correndo paralelas. Cada qual com sua própria trama, palavras sonhadoras intercalando angústias, vírgulas de emoção dividindo desertos, pontos de exclamação lardeando fantasias. Perdida nas entrelinhas jazia a incessante busca por outro autor, disposto a firmar parceria e colorir com seus momentos a rotina das páginas amareladas pelo tédio da solidão.
De repente elas se encontram. Seus temas guardam harmonia e similitude. Os olhares se cruzam, os sinais disparam, os pulsos aceleram descompassados. Espíritos que se reconhecem, juras eternas lançadas ao vento, lábios que se saciam, corpos que ardem uníssonos. Dançam ao som do enamoramento e no altar do sentimento prometem escrever juntos uma única história de amor, serem fiéis à gramática do coração, na saúde da semântica e na doença da forma, na riqueza do vocabulário e na pobreza da interpretação, respeitando a fragilidade do início e evitando o desgaste do fim.
Brindam essa nova fase com a taça do comprometimento, e guardam cada qual na gaveta secreta de seu ser, o encarte celibatário até então editado. Selam essa intenção com um volume novo, encadernado com o frescor das promessas, recheado de folhas em branco clamando para serem preenchidas a dois, com enredos variados, fecundidade de detalhes, memórias coloridas, comemorações gravadas em nanquim, emolduradas por fotografias eternizando paisagens afetivas.
Os anos galopam impiedosos, alheios a fogosidade da intenção, comprometendo severamente com seu trote rude, a altivez da concordância. Sujeito e predicado não mais dividem a mesma oração, sequer conjugam o verbo no tempo certo. Os capítulos passam a ser escritos de forma desconexa, marcados pela hipérbole da exasperação e pontos de interrogação precariamente articulados. Os personagens se perdem no idiomatismo deficiente, trocando farpas veladas, até caírem na vala comum do evitamento. Dão vazão aos seus próprios desatinos dividindo a mesma obra, mas, em títulos desenvolvidos separadamente, cada qual com protagonista, ritmo e direção específicos. Os textos carregados de aventuras conjugadas são substituídos pelas linhas em branco dos versos não declamados, reticências dos poemas ditos sem excitação, infertilidade das narrativas desprovidas de comoção e saturadas de mágoa.
Pouco a pouco o hiato que separa cada parágrafo consome a maior parte da página e o romance segue agonizando por falta de métrica. A medida que a distância se agiganta e a realidade desponta cruel cobrando seu preço, o divórcio dos votos sagrados proferidos no berço da paixão se torna inevitável, encerrando a fábula através de um parco e sofrido epílogo, sem direito a bibliografia. Passado o luto pelo futuro projetado em expectativas que não encontraram solo fértil na literatura da existência, é hora de vasculhar com vontade os recônditos da alma em busca do livro pessoal outrora jogado num canto empoeirado do esquecimento. E cada qual retoma as rédeas de seu destino e reassume a autoria de sua própria crônica.
E um, que era a razão de existir da história do outro, deixa de ser o personagem principal nesta nova etapa, para virar, com sorte, uma mera nota de rodapé...