Página em branco...
Pousei carinhosamente minhas mãos sobre o teclado, e deixei que meus dedos deslizassem num ritmo próprio, tresloucado o suficiente para impedir minha mente de acompanhá-los.
Enfim, livres para dar vazão as suas próprias memórias.
Acompanhei sua dança como mera espectadora, sem planos, mapas, correções ou expectativas.
Sem a mínima idéia do conteúdo daquele texto que estava se formando, nascendo aos pouquinhos sem se importar com a minha presença.
Um sentimento familiar me invadiu, e lágrimas tímidas umedeceram meus olhos, sem entretanto rolarem pela minha face.
Era uma festa particular sem direito a testemunhas.
Reconheci de imediato a emoção do reencontro com aquela parte de mim que sempre tem o condão de colocar em verso o impronunciável, traduzir o indecifrável, relembrar o imemorável.
A parte de mim que mais sofre com minhas ausências do mundo real, com aqueles afastamentos inevitáveis, frutos de minhas visitas furtivas aos meus desertos internos.
De tempos em tempos sou abraçada por longo período do silêncio, encharcado de significado. Um silêncio morno, envolvente e enriquecedor. Um silêncio que jamais me deixa só ou permite que a tristeza se acomode. Muito pelo contrário. É o momento de calmaria que sempre se instala depois de alguma devastação causada por tempestades que a experiência impõe ao longo da jornada.
Muito lutei contra essa introspecção. Hoje, aos poucos, aprendo a respeitar minhas estações. Curtir meus verões, respeitar meus invernos, amar minhas primaveras, e, sobretudo, aceitar a poda dos meus outonos. Talvez esteja, enfim, amadurecendo.
Apesar do descanso reparador vital para meu bem-estar, é muito bom sentir novamente aquele rebuliço de palavras ecoando pela mente, tentando fugir por todos os poros, se digladiando entre verbos, adjetivos e substantivos, e explodindo em gozo diante da frase perfeita.
A modernidade nos atropela e nossa atenção é quase que instintivamente atraída para fora.
Diante de nossa relutância em cuidar dos jardins da alma, a própria vida se encarrega de frear.
É quando chocamos de frente com algum obstáculo que nos desfragmenta, nos reduz a meros caquinhos espalhados pela calçada da existência.
Só assim paramos, e somos forçados a prestar atenção a cada ínfima parte de nós. No intuito de restaurar o mais rápido possível o movimento, nos focamos no estrago causado pela nossa falta de atenção. E assim, jogamos fora o que não mais nos pertence, colamos pedaços desiludidos, lustramos lascas empoeiradas pelo esquecimento, olhamos a mesma imagem por diversos ângulos, até que finalmente enxergamos a sua verdadeira face.
Apesar de todo o crescimento que esses momentos nos trazem,
é sempre muito bom estar de volta,
plenamente
... inteira!
(João Guimarães Rosa)