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Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.4.21

 

Por que dormes tanto minha alma?

É outono, quando as folhas da introspecção se deixam desprender da árvore dos sentidos, e perecem reveladas no chão da emoção. 

É tempo de abandonar a velha roupagem e de (re)nascer sob novo manto.  

Há que se armazenar forças para deixar o casulo e abrir as asas. 

A verdade é que a terra nos alimenta e sua seiva nos acolhe. 

Nossas raízes exigem profundidade, mas permanecer por muito tempo com os pés no chão nos enfraquece. 

Fomos feitas para voar...

É do alto que lançamos nossas sementes e nos fazemos flor(escer).



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Parabéns Vó Minda

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 7.11.11


Hoje acordei com um cheirinho de lambe-dedo invadindo minha alma. Corri até a cozinha, e o silêncio me trouxe de volta à realidade: a festa de aniversário era no céu!
A premissa de que o tempo tudo cura, não se aplica a certas saudades. Algumas pessoas marcam nossa vida de tal forma, que sua presença permanece forte, a despeito da ausência física. São tão especiais e singulares, que quando as asas da morte as levam para o encontro de Deus, em seu lugar, ao invés do vazio, permanecem, intactas, as lembranças... 
 
Minhas melhores memórias, assim como as de meus irmãos, não coexistem com televisão, computadores, celulares ou video-games. Muito pelo contrário. Elas emanam de uma casinha simples, rodeada por um quintal grande e cheio de promessas. Na casa da minha avó Minda não existia regras. Era o nosso mundinho de fantasia particular, onde nossa criatividade era posta a prova e tudo se revelava possível. Ali, naquele ninho de carinho, podíamos ser crianças sem nos preocupar com qualquer tipo de protocolo.

Lembro como se fosse hoje. Minha avó, sempre cheia de trabalho e afazeres, acordando de madrugada para ajudar meu avô com os cortes de alfaiataria. Isso nunca a impediu de saborear nossa torta de barro; de fazer canudos de mamão para enchermos o quintal com bolhas de sabão; de montar carrinhos de latinha para puxarmos; de desvendar conosco os mistérios do quintal que ora virava caverna de pirata, ora casinha de boneca; de nos levar na quitanda da dona "Mouse", para escolhermos a guloseima da vez; de fingir susto quando pisava nos traques que espalhávamos pela casa (e que quase nunca estouravam de verdade); de colher amora e pitanga direto do pé para nossa sobremesa. 

Sempre que saíamos com meu avô para passear, colhíamos faceiros qualquer pedaço de mato que nos chamasse a atenção. E na nossa imaginação infantil, chamávamos aquelas folhas murchas de buquê. Eles sempre foram acomodados nos melhores vasos e colocados em evidência na mesinha da sala. Enquanto todos viam ramos de mato, minha avó enxergava "flores silvestres". Porque, afinal, cada um percebe a vida e suas nuances conforme sua essência...

Minha avó era do tipo que beijava a ferida para sarar mais rápido. Que guardava qualquer rabisco que fazíamos num papel em uma caixa de preciosidades. Que dormia de mão dada quando tínhamos medo do escuro. Que rezava com a gente a oração do anjinho da guarda. Que tinha o dom de enxergar o melhor das pessoas (em qualquer ocasião). Que dava café com leite e pão para o cachorro. Que anotava num caderninho a data de aniversário de cada um que entrava em sua vida (e de morte também). Que orava diariamente por todos aqueles que amava (e sempre esquecia de pedir misericórdia para as suas próprias mazelas). Que transformava um salário mínimo num milhão de presentinhos. Com ela aprendemos que mimo em excesso não enfraquece o caráter. Muito pelo contrário! Agrados desta estirpe fortificam sentimentos, fortalecem a auto-estima... nos aquecem o âmago quando o vento frio da vida nos açoita a coragem. São sementes de amor que quando lançadas na mais tenra idade, crescem junto com a gente. Criam raízes. E continuam a frutificar, nutrindo gerações com benquerer...

Como toda avó que se preze, transformava a cozinha em extensão de seus afagos. Assim era com o bolinho de batata feito na medida certa para nosso paladar. Os deliciosos lambe-dedos com pitadas extras de carinho, saboreados no café da tarde. Os suspirinhos (com raspas de limão) carregados de afeto, presenteados em cada páscoa, em cada natal, em cada evento importante de nossa vida. Os canudinhos crocantes, recheados de maionese e porções generosas de ternura.  Os sanduíches de sardinha com ovo sempre servidos nos aniversários. Nunca nos preocupamos em anotar as receitas dessas guloseimas. Logo a nossa família, que concentra na cozinha o coração da casa. Na verdade, acho que sempre acreditamos na ilusão de que nossa avó viveria eternamente, emoldurando nossa existência com seus cabelos imaculadamente brancos e seu sorriso fácil...

Toalhas de crochê eram uma carícia a parte. Tecidas ponto a ponto, engomadas com dedicação,  decoram até hoje a mesa de nossas emoções. Falta de dinheiro ou saúde nunca impediu minha avó de presentear seus pupilos. Para isso, contava com sua imaginação e extrema sensibilidade. Meu avô sempre tomava sua cachacinha com limão para fazer a digestão após o almoço, em pequenos copinhos bojudos de vidro. Minha avó embrulhou copinho por copinho, os acomodou dentro de uma caixinha de lata e me presenteou em determinada ocasião. São simples copos de vidro, surrados pelo tempo, mas cuidados e manejados por um amor tão incondicional, que os transformou em cristais. Pelo menos, é assim que os vejo até hoje...

Parabéns vozinha! Sinta-se abraçada. Aquele abraço forte e apertado que só almas afins são capazes de sentir. Celebramos hoje em pensamento o seu aniversário. Porque independentemente de crença, continuas vivendo feliz em nossas melhores e mais ternas recordações. E lá assopras saudável mais uma vela de existência. Juntos saboreamos suspiros com pitadas de amor de avó, batidos no ponto certo do amor: em excesso, misturado com uma doçura que não faz mal a saúde, mas, pelo contrário, fortalece a personalidade e conforta o espírito.

Sua neta,

Sheila

PS1: Vó, viu como a Luana está linda? Como a gravidez realça o brilho dos olhos dela e do mano? O nascimento do Leonardo está se aproximando. Até lá, mima muito esse moleque aí no céu vó. Ensina ele a fazer bolhinhas de sabão. Enche ele de suspirinhos, com doses cavalares de doçura e afeto. Faz brotar nele a delícia de ser criança... como só a vó consegue fazer!
PS2: Cada vez que eu falo um palavrão imagino a vó dando pulinhos no céu. Bom, pensando pelo lado positivo, a vó deve estar super em forma né? Não tenho culpa, foi a ETT que me estragou...
PS3: Vó, hoje, com mais idade, descobrimos que não é o apito do trem que anuncia chuva. O problema é Joinville mesmo, todo e qualquer barulho faz chover na nossa amada terra...
PS4: Quanto as receitas do lambe-dedo, canudinho e suspirinho... seria demais pedir para a vó mandar psicografar? Tenho uma idéia melhor. Da próxima vez que as primas da família Andrade se reunirem, aparece para dar um alô, e aproveita para passar as receitinhas. Acho que não tem perigo delas se assustarem né, afinal, já são umas marmanjas (mas, só para nossa diversão, faz um "buuuuuuu" caprichado).

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Parabéns Vó Cinda.

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 28.8.11



A minha crença na vida após a morte nunca conseguiu aplacar um sentimento tão mundano que me invade de vez em quando: a saudade daqueles que partiram.
Hoje minha avó Cinda faz faria 94 anos de vida. Impossível não lembrar daquele sorriso meigo; da risada contida que balançava todo o corpo parecendo gelatina; do olhar sempre tão dócil; da voz melodiosa e conformada, incapaz de se alterar; do cheirinho de macela que até hoje impregna minhas memórias com aroma de carinho. Difícil esquecer o chocolate "krot" saboreado de forma tão peculiar, melhor nem explicar;
a taça de vinho Sinuelo tinto suave tomada religiosamente durante o almoço; o pequeníssimo gole de cachaça  digestivo depois de saborear a melância; a salada da tia Mariza furtada que sempre acabava num pedacinho de pão muito antes do almoço como alguém que eu conheço; a tangerina e a laranja descascadas minuciosamente, fibra por fibra; o som da televisão ligada todos os domingos no Silvio Santos como alguém que eu conheço; os cartões de aniversário enviados ano após ano, sempre escritos com a mesma letra pequena e arredondada, quase desenhada. E a afeição transferida para as broinhas de coco; o bolinho de arroz; a gengibirra; as batidas de amendoim e chocolate; o temperinho cortado de forma milimétrica e as cucas cheias de farofa? Sinto o sabor até hoje no paladar da minha alma. E a paciência em tecer o ponto certo nas telas de bordado cheias de nuances e curvas? Emolduram até hoje as paredes da minha existência.
Mulher de finos traços e mãos delicadas, travava suas batalhas em silêncio. Enganou quem a julgava frágil. Sua coragem não fazia alarde. Nunca deixou sua docilidade se curvar a doença. Jamais permitiu que sua fé sucumbisse a dor. 
Acredito que não exista barreira intransponível quando se trata de sentimento. Nem mesmo a morte. Por isso, sei que neste exato momento, minha avó está recebendo essas palavras em forma de abraço, e tendo a certeza de que, apesar de ter desaparecido da vista de meus olhos físicos, jamais deixou de habitar o meu coração. Continua vivendo, feliz e saudável, em minhas mais doces lembranças.
Me conforta imaginar que hoje... o céu está em festa.
Feliz aniversário vózinha!
Que Deus lhe conceda mais um sopro de bençãos, e no apagar da vela da saudade, acenda a luz do reencontro espiritual, onde não precisamos enxergar, apenas sentir o pulsar da presença. Que possamos então, saborear em pensamento, através da magia que une dois corações que se importam, um farto pedaço da torta do amor!
Sua neta,
Sheila


PS1: Vó, até que ele esteja nos braços do papai e da mamãe, cuida bem do Leonardo, combinado? Junto com a Vó Minda, claro. Aliás, junta uma galera para ajudar... Porque, se ele puxar o pai dele, já deve estar correndo sapeca desembestado pelos campos da espiritualidade, chutando tudo que se parece remotamente com uma bola de futebol. Haja anjo da guarda e "vanish" para dar conta .
PS2: Vó, eu escrevi na primeira pessoa. Mas a vó sabe que os folgados caras de pau adoram entrar de gaiato nos meus cartões. Já estou até vendo. Vou contar que enviei o cartão e a primeira pergunta vai ser: "colocou o meu nomeeeeee?" Então, para evitar desgastes desnecessários, considere que eu fiz minhas as palavras e sentimentos de toda a nossa família, certo?
PS3: Só mais uma coisa. Se quiser fazer um agrado, pode vir me dar um abraço gostoso que vou adorar sentir sua presença, a qualquer tempo. Agora, não precisa agradecer todo mundo, entendeu? Senão tem gente que vai se borrar toda assustar... muito! (não vou dar nome aos bois ou vacas para não ficar feio né, vó. Não sou fofoqueira.) Assim... se a vó estiver na dúvida, sai fazendo "buuuuuu" para todos na família... aquela pessoa que sair disparada berrando, é a própria. Bom, pensando bem... acho que vai ser mais de uma pessoa correndo... Não esquece de me contar depois. Em sonho, viu vó? Também não vamos exagerar nas demonstrações explícitas de carinho entre o mundo espiritual e o terreno, ok? Neste aspecto não sou nem um pouquinho parecida com São Tomé.
PS4: Hãaa... vó? Além da torta do amor, rola uns brigadeiros de afeto? Quê? Nãooooooo... não precisa ser para a família toda. Dividir o cartão tudo bem. Agora, repartir os brigadeiros? Aí já é abuso né vó? Eles são meus. Só meus!

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Frio...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 15.7.11


Não sabe se é a impessoalidade do frio ou a melancolia da chuva
Mas, a medida que as horas avançam,
sente a agonia se agigantar no seu peito
Conhece esse sentimento com a palma de suas mãos
Sua alma segue o fluxo das estações do tempo
O inverno se instaurou em seu âmago
Vontade de se fechar em concha,
correr para dentro de si e
se aconchegar nas lembranças.
Sempre tão quentinho por lá...

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Exílio

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 9.9.10


De tempos em tempos ela se exila nas memórias
E se deixa levar pelos devaneios de um passado
que inspira ausência
e expira saudade
Visita abraços
Rememora sentidos
Reverencia emoções
Embriaga sua alma com o silêncio cadenciado de seu coração
Sorri matreira com os momentos que brincam soltos nos recônditos de seu ser
E que apesar de traduzidos em palavras
E compartilhados em parcas confidências
Em essência são só seus
Mergulha de cabeça no sentimento esquecido
E volta à superfície plana do presente
Escorrendo nostalgia
Reconhecendo a importância de cada instante
E se regozijando na lembrança dos amores que ainda a habitam
São eles que,
mesmo despedaçados pelo tempo,
a tornam inteira...



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Lembranças...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 30.7.10


Sabia que as palavras continuavam a jorrar dos lábios da sua melhor amiga, mas, a partir de certo momento, seus ouvidos se fecharam. Inventou uma desculpa esfarrapada demais para o seu padrão boa moça, e desligou lentamente o telefone, numa débil tentativa de cortar a conexão com a realidade.

Já presenciara vários de seus amigos se separarem e reconstruirem a vida com outra pessoa. Assim, no momento em que seu relacionamento de doze anos virara cinza, sabia de antemão que teria que aprender a viver em um mundo onde seu homem "
ex" estaria encontrando calor em braços que não eram os seus. Só permitia que essa divagação tomasse forma no consultório de sua psicóloga. Lá se sentia segura o bastante para extravasar sua dor confusão.

A separação não a tornou uma pessoa amarga, muito pelo contrário. Vivia rodeada de amigos e seu riso espontâneo era contagiante. Mas, era obrigada a confessar, amizade era a única coisa que conseguia oferecer. Qualquer tentativa de ultrapassar esse limite era repelido com firmeza. Continuava uma romântica incorrigível, mas exercitava essa fraqueza qualidade através de uma fome voraz por filmes. Mas, só aqueles onde o final feliz era garantido. Na verdade, sequer imaginava que rumo daria à sua existência. Somente uma certeza a acompanhava nos últimos tempos: ainda não estava pronta!

Nunca havia casado de véu e grinalda como as modelos das incontáveis revistas que mantinha escondidas em casa. Nem adentrado na igreja segurando um buquê de rosas brancas como costumava ensaiar desde a mais tenra idade. Também nunca sentiu o incômodo delicioso de uma aliança apertando enlaçando seu dedo anelar. Não havia fotos apaixonadas espalhadas pela casa, cartões escritos no ápice da paixão ou filhos. Se apaixonara por um homem extremamente prático, avesso a amarras e convenções, e em nome deste amor abrira mão de grande parte de seu lado poético. Apesar de não ter deixado vestígios palpáveis no apartamento que então dividiam, seu romance estava gravado a ferro e fogo em sua memória. Nunca se arrependera das concessões que fizera para manter a união.

Até aquele momento...

Quando caiu em si já estava na estrada. Apesar de todos os seus alarmes soarem a pleno vapor, precisava confrontar a realidade antes que a fantasia lhe consumisse. Conhecia o local com a palma da mão e a medida que o carro ganhava velocidade, mais e mais imagens pululavam em sua mente. O sítio de seus sogros estava ainda mais belo do que se lembrava. Entrou por uma passagem secundária, e se posicionou no alto do morro, em cima de uma pedra divinamente escondida atrás de arbustos e árvores (
seu cantinho preferido no mundo). Dali tinha uma visão perfeita da parte mais bela da propriedade.

Seu coração deu um salto quando viu o primeiro (e único) amor de sua vida adentrar na capela improvisada, todo orgulhoso e elegante (como nunca havia visto antes). Ao se posicionar no altar, ele sorria e apertava as próprias mãos com seu jeito peculiar. Reconhecia aquele raríssimo gesto de longe. Ele estava ligeiramente nervoso... e feliz!

Ficou hipnotizada com a beleza simples da noiva e acompanhou cada passo, como se fossem seus próprios. Mas foi quando ele seguiu ao encontro dela com os olhos marejados e se ajoelhou para beijar-lhe a barriga já saliente, que alguma coisa quebrou dentro de seu coração. Chegou mesmo a sentir a fúria dos caquinhos dilacerando seu âmago. 

Estava assistindo o casamento dos seus sonhos, só que outra atriz corria para os braços de sua alma gêmea, carregando no ventre uma semente que sempre ansiou fazer germinar em seu próprio útero. Lágrimas grossas rolavam pelo seu rosto, enquanto assistia petrificada outra mulher caminhando de mãos dadas com seu passado, ostentando um futuro que ela jamais teria oportunidade de experimentar, e exibindo na face a conquista que ela própria perseguiu em vão por estéreis longos doze anos. A pouca racionalidade que lhe mantinha sã tentava assumir o controle a todo custo, e carregá-la para o mais longe possível daquela cena perfeita. Queria fazê-la enxergar que ela não era a personagem principal daquela história. Era apenas uma figurante que entrou sorrateira nos bastidores, mas ficou e ficará para sempre, fora daquele palco, longe dos aplausos.

Não sabe quanto tempo ficou sentada naquela pedra, nem como chegou em casa. Tomou um longo banho, vestiu o pijama que outrora foi dele e foi para a cama. Sua mente tentava se encontrar no meio do turbilhão emocional que a sacudia. Teria que reaprender a viver, construir novos sonhos,
rever posturas, abrir seu coração para outras paisagens, intensificar a terapia, fazer um curso de dança (aquele mesmo que ela vivia adiando). Sim, sabia que teria que começar do zero novamente, despida de expectativas e falsas esperanças.

Mas, essa página em branco seria aberta somente no dia seguinte. Naquela noite em particular, ela iria visitar o passado, resgatar memórias, juras, sinais da existência do homem que um dia a tornou mulher... Abriria o livro de suas emoções sem medo e viajaria pelas fotografias mentais que emolduraram e coloriram as paredes de sua alma por tantos anos.

Porque alguns amores,
só sobrevivem nas lembranças...


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Maquilagem borrada...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 25.7.10


Não era a primeira vez que acordava sobressaltada.
Entretanto, ao invés de virar para o lado e resgatar o sono
(como sempre fazia),
ousou levantar.
Foi à cozinha, preparou um chá aromático, sentou no sofá da sala,
e encarou o gélido silêncio embrulhada em pensamentos.
Não ousou acender a luz.
Certas verdades ficam mais palatáveis no escuro.
Percorreu os corredores de seu coração e
decidiu não ignorar as portas fechadas.
Abriu-as.
Uma a uma.
E por elas fluíram emoções há muito represadas.
Algumas, amigas de longa data, finalmente mostraram sua verdadeira cara.
Outras, apesar de totalmente desconhecidas à sua mente,
demonstraram familiaridade com seus segredos mais profundos.
O impacto causou-lhe náuseas.
Daquelas que não são aliviadas por medicamentos vendidos em farmácia.
Vagava zonza pelos sentimentos a procura de algum resquício de sua alma.
Agarrou-se a alguns pedaços partidos
do que outrora fora sua essência mais pura,
como se fossem tábuas mágicas de salvação.
E foi justamente o receio de se afogar em tanta comoção que a deixou a deriva.
Quando o cansaço se tornou maior que seu medo,
entregou-se ao momento com toda a sua fraqueza força...
Perdeu a noção do tempo, do espaço, e jogou-se de cabeça no abismo de sua angústia.
E quando finalmente emergiu do turbilhão emocional instaurado no seu âmago,
já era hora de levantar.
Mais um dia aguardava por sua presença.
Mais tarefas precisavam de sua atenção.
Mais um capítulo de sua história estava prestes a ganhar corpo.
Guardou nas entrelinhas seus conflitos e ganhou as ruas da cidade,
estampando seu forçado melhor sorriso.
Sua máscara profissional não admitia maquilagem borrada.
E cada suspiro sorrateiro que escapava inconscientemente de sua boca,
carregava a dor do mundo...


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A voz do silêncio

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 26.4.10

Habituara-se a ouvir a voz rouca de seu coração
No silêncio da
madrugada
Talvez porque no decorrer do dia
Sua mente estivesse
entretida com os sons de suas máscaras...

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Sonata da madrugada

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 22.2.10
Soundtrack: 5th Symphony - Beethoven




Acordou sobressaltada com o som do telefone. Antes mesmo de recobrar a consciência sabia quem estava do outro lado da linha. Seu coração ouvia o som abafado das lágrimas, as promessas, os pedidos reiterados de perdão que emanavam do vazio daquela madrugada chuvosa. Encolheu-se na cama e esperou que o silêncio voltasse a reinar em seu universo particular. Depois de muita insistência o telefone calou.
Levantou-se da cama lentamente, e vagou pelo apartamento escuro. Não se importava com topadas ou tropeços. Precisava da penumbra para poder enxergar. Sentou no sofá da sala e desabou. Chorou por todos os sonhos que não suportaram o peso da vida real. Soluçou pelas expectativas jogadas no lixo. Lamentou pelas perdas e feridas ainda tão abertas. Chorou pela mulher que era e que deixou de existir no exato minuto em que ele batera a porta de suas vidas na sua cara. Sentiu a mão fria da solidão envolvê-la num abraço letal.
Ao som da sinfonia número 40 de Mozart viu sua vida passar na mente como num filme, ficando ela própria como expectadora. Mozart parecia entender seu sofrimento e dedilhava sentimentos que ela mesma não compreendia. E de olhos fechados deixou-se levar pelas notas que ecoavam em seu mundo e abriam as janelas da autocomiseração.
Mas foi Beethoven quem liberou sua raiva. Enquanto a sinfonia número 5 vibrava no ar, ela abriu as comportas de sua alma. E deixou todos os seus fantasmas brincarem soltos pelos corredores de seu ser. Reconheceu cada emoção, desde o desespero até a ira. Pegou uma a uma pela mão, embalou-a, abraçou-a e por fim, levou-a até a porta escancarada de seu coração. E assim, sem qualquer pudor, dançou ao som de sua verdade, acolhendo até mesmo seu lado negro sem qualquer maquiagem.
E quando Beethoven rasgou o último sopro deixou-se cair exausta no chão.
Fora até o abismo de si mesma e voltara quebrada, mas totalmente revigorada.
Não haveria mais sobressaltos ao toque do telefone, nem arrependimentos, nem culpa, nem retornos, nem solidão.
Estava pronta para (re)viver!

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Sentimento indomável

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 21.2.10


Sentimento é como um cavalo selvagem
Quanto mais tentamos domesticá-lo,
mais exaltamos sua rebeldia
A única pastagem onde ele se deixa capturar,
E por breves momentos revela sua face,
Repousa no fundo dos meus olhos...

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Explosão

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 18.2.10


Sentia uma vontade visceral de ficar sozinha
Mas quando escutava o eco da solidão bradando em seu pensamento,
ansiava pelo alento da companhia,
pelo calor de outro corpo
Lutava contra as lágrimas,
mas não encontrava razão para trancafiar tanto sentir,
nem deixar jorrar tamanha emoção
Nadava contra a corrente de sentimentos contraditórios com uma fúria voraz,
mas a vontade que batia forte em seu coração era o da entrega
Estava cansada das vozes familiares que ecoavam em suas entranhas,
mas os novos sons que invadiam sua alma a assustavam
Sentia a vida pulsar em suas veias,
e chamar o seu nome
Fugia de si com a esperança de encontrar-se vagando
pelos caminhos que sua covardia a impedia de seguir
E perdida no meio dessa explosão hormonal
Ela renascia...
mais uma vez!

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As quatro estações do amor

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.8.09
Soundtrack: Goo Goo Dools - Iris



O amor, sem sombra de dúvida nasce no verão.
Animado pelo calor do sol,
germina com todo seu esplendor no solo mais fértil do coração humano.
Tudo vira poesia,
tudo resplandece...
O astro rei se reflete nos olhares apaixonados,
e derrete sem piedade as geleiras da solidão...

Chega o outono,
e com ele a sobriedade do vento,
que espalha folhas de incompreensão na estrada da ternura.
O céu azul do romantismo adquire tonalidades bucólicas...
E, o que outrora fluía, passa então... a se arrastar...

Não tarda muito para o temido inverno trazer o ar gélido de sua graça,
e uma corrente arrepiante se incorporar ao dia a dia...
Nuvens de melancolia se agigantam...
E...
O amor sofre de inanição
De silêncios
De carinhos não demonstrados
De palavras não proferidas
De dúvidas não sanadas
De telefonemas adiados
De orgulho desatinado
De puro desalento!

Adentra então a primavera,
e o gelo instaurado na estação anterior,
aos poucos se entrega ao colorido deste novo horizonte que desponta.
Timidamente, o que parecia morto... revive!
Flores adornam os lábios em desculpas suaves,
doces juras renovadas exalam no ar,
alimentando a alma,
tão desnutrida pelo descaso...

Mesmo que o outono da rotina tenha levado suas folhas,
e o inverno da negligência congelado suas raízes,
e a primavera da saudade esticado o olhar para outra semente,
quando dois corações estão dispostos a vencer
as intempéries do tempo,
o amor sempre resistirá bravamente,
para ver nascer,
um novo e promissor verão!


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Vazio...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 19.8.09

Soundtrack: Joss Stone - Spoiled




E um vazio vacilante começa a se agigantar dentro de mim
Sinto e respeito sua presença
Meus lábios se calam
Minhas mãos se retraem
Me entrego sem qualquer medo
Meus discursos mais significativos sempre foram proferidos em silêncio 
Minha alma é a única platéia cativa indispensável.

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...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 13.8.09

Soundtrack: Eagle Eye Cherry - Save Tonight




Tem dias que todo o significado escapa do texto e se esconde nas reticências
Por vergonha de expor o verbo foge para as entrelinhas
Onde tudo é permitido e as confissões adquirem nuances palatáveis
Quando o silêncio fala mais alto que as palavras
Melhor deixar o dito
Pelo não dito
...

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Vírus do amor...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 11.8.09

Coldplay - Fix You


Era uma noite quente de verão, e ela virava de um lado para o outro na cama, incomodada com o próprio suor. Até que desistiu de lutar contra a insônia e levantou. Foi para a sala, abriu a porta de vidro, e sentiu o frio do piso do chão da sacada subir lentamente por suas pernas, causando um frisson imediato.
Fechou os olhos e deixou que a brisa acariciasse seu rosto e brincasse com seus longos cabelos cor de mel. No silêncio da noite ouviu os murmúrios da própria mente. No fundo sabia que não era o calor ou a estação do ano que a incomodava.
Encostou-se no parapeito e deixou-se levar pelas lembranças. Eram tantas, e algumas tão suas a ponto de jamais terem cruzado para fora de seus lábios. Existiam somente no seu íntimo, naquele baú onde guardamos o impronunciável.
Era uma mulher atraente, orgulhosa de seus quarenta e "alguns" anos. Passara por todos os estágios consagrados pela sociedade tradicionalista. Entrou solteiríssima para a faculdade de medicina, namorou, ficou, transou, não necessariamente nesta ordem ou com a mesma pessoa. Até que se rendeu a um belo moreno de olhos verdes e coração generoso (até demais, descobriria mais tarde). Casou com toda a pompa e circunstância, e vivenciou tudo que podia, desde a lua de mel dos sonhos, até descobrir-se traída em todos os sentidos. Junto com as roupas dele, jogou fora por bom tempo a autoestima. Excursionou por advogados, juízes, e entrou na audiência de cabeça erguida e "separada de fato". Depois de encerrar anos de sua vida com a homologação de um total estranho, saiu aos tropeços, mas, enfim... separada judicialmente. Anos mais tarde evoluiu para divorciada.
Poucos sabem o quanto sofreu em todos os estágios, e o quanto de si perdeu no caminho. Para ocupar o tempo, transformou seus dias em maratonas infindáveis de cirurgias complicadas, atendimentos particulares na sua clínica, consultas gratuitas em comunidades carentes, e, ainda, plantões esporádicos em hospitais públicos. Cardiologia era a sua área e sua maior paixão desde o divórcio, e quando segurava o coração de outra pessoa em sua mão, sentia-se viva. Talvez, porque o seu próprio peito há muito estava oco, silente, vazio, fulminado pela desilusão.
Estava tão ocupada em cuidar do coração dos outros, que deixou o seu desprotegido. Por isso não percebeu quando "ele" se aproximou, e o soar dos alarmes foi muito tardio. Ela tinha aprendido com o passar dos anos a aperfeiçoar sua blindagem emocional. Mas, ela se conhecia o suficiente para saber que quando o amor achava um jeitinho de burlar suas defesas entrava como um spam, infectando inicialmente seus lábios, e se autoenviando para todos os órgãos de seu corpo, até que enfim, se alojava definitivamente em seu coração. E, Deus sabe que ela lutaria com todas as armas para evitar esse desenlace, sacrificando alguns membros se necessário fosse. Mas, se o inevitável acontecesse, inútil seria resistir. Porque quando o amor se instalava no seu coração, se espalhava tal qual erva daninha, tomando conta de tudo e fincando suas raízes para nunca mais sair. Qualquer tentativa de removê-lo destruiria tudo a sua volta. E era isso que mais a apavorava.
Por isso, desde o momento em que seus lábios (infectados pelo vírus do amor) disseram sim ao convite dele para um jantar a dois no dia seguinte, sua mente passou por todos os estados civis que usualmente aparecem naqueles formulários para aprovação de crédito, revivendo cada fase de sua vida com intensidade. Até que finalmente marcou... solteira! E não porque desdenhava do resto. Apenas porque lembrava uma época em que ela jamais tremeria por causa de uma mísera erva daninha.
Satisfeita com a escolha, voltou para a cama. E o sono finalmente a envolveu com seu abraço sedutor, enchendo seus olhos com a visão da alcova, clamando por concretizar seus sonhos (ou pesadelos)... E ela entregou-se àquele momento, sentindo um calor delicioso invadir seu peito. E dormiu, profundamente, embalada pelo ritmo cadenciado das batidas de seu próprio coração...


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Suspiro...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 16.7.09

Florianópolis irradia magia para além de suas praias e belezas naturais. Ela conserva sua identidade fascinante em museus, restaurantes, praças e, em especial, nas inúmeras feiras de artesanato que se espalham pela cidade. Religiosamente, as quartas e sextas-feiras, diminuo o ritmo ao passar pela feirinha em frente a Catedral, no caminho para o trabalho. Adoro observar como a renda, a madeira, os vestidinhos de boneca feitos de crochê, os hippies com suas batas coloridas, se misturam com a modernidade do executivo engravatado, celulares de última geração, notebooks e tecnologia wi-fi.
Impossível resistir a barraquinha de doces e salgados da "tiazinha", sempre com quitutes convidativos, que presenteiam o paladar com uma explosão de sabores tipicamente caseiros. Foi ali que reencontrei um sabor guardado nos recônditos do meu ser. Suspirinhos com limão, seguindo a receita usada por minha vó Minda desde a minha mais tenra idade. Clara de ovo batida com açúcar em ponto certo, com raspinhas de limão, e um carinho imensurável.
A receita não poderia ser mais simples.
Entretanto o sabor vai além, e mantém uma complexidade que lhe é peculiar, capaz de se amoldar a cada etapa da minha vida, nutrindo incondicionalmente a parte mais colorida de minhas lembranças.
Esse suspiro tem sabor de infância, de criança travessa pulando faceira e esperando o coelhinho da páscoa, de gargalhada fácil ao ouvir o barulhinho crocante ecoar na boca, de alegria ao ver a vovó e o vovô virem de tão longe só para trazer guloseimas para seus três netinhos insaciáveis.
Esse suspiro tem sabor de confidências, de tpm regada a doce, de brincadeiras juvenis, de café com leite em tarde chuvosa, de paixonites misturadas com lágrimas e dor de cotovelo, com pitadas de amor de avó batidos no ponto certo do amor: em excesso, misturado com o tipo de açúcar que não provoca cáries, mas, pelo contrário, produz sorrisos saudáveis.
Agora, no auge dos meus trinta e tantos anos, esse docinho adquiriu um sabor mais adocicado, beirando o emocional.
Especialmente hoje, ele é um suspiro... de saudade!

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Amor bandido...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 7.7.09


Seus caminhos se cruzaram por obra do acaso, em uma tarde chuvosa de outono.
O momento não poderia ter sido mais propício. Estava cansada da sensação de mesmice que havia se instalado em sua vida, e o frescor da novidade logo acendeu seus instintos mais primários. Foram apresentados durante uma das infindáveis e aborrecidas reuniões de trabalho que preenchiam sua agenda abarrotada.
Ela não se considerava uma puritana. Muito pelo contrário, era dotada de uma personalidade ousada, capaz de sobressair-se facilmente nos ambientes mais inusitados. Por isso mesmo foi pega de surpresa. Não estava acostumada a ser ofuscada por outro brilho além do próprio.

Mas foi o que aconteceu no exato momento em que o perfume dele antecedeu sua chegada, impregnando todo o ambiente. Todos ficaram hipnotizados por sua presença marcante. Sua capacidade de imprimir na conversação um ritmo forte, próprio e tremendamente peculiar era inata, e revelava uma intensidade misteriosa e desafiadora. Seu tipo encorpado inebriava as mais incautas, e incendiava os desejos secretos enterrados no âmago de cada um.

Ela ignorou solenemente todos os alarmes que ecoaram em sua mente. Sim, ele era perigoso. Mas era justamente essa particularidade que a atraia, tal qual o zangão marchava voluntariamente para a cópula fatal.

Passado o susto inicial, foi se sentindo cada vez mais a vontade, e a relação extrapolou aquele encontro casual, e foi se estreitando num ritmo tresloucado. Já não mais vivia sem seus encontros diários, muitas vezes furtivos. Perdeu a conta das vezes em que, desesperada por sentir sua presença, pensou em irromper porta afora, tamanha a ânsia por um contato, por mais breve que fosse.
Quando estavam juntos, o tempo parava, e qualquer lugar se tornava palco para a dança sensual que apreciavam ensaiar, e que, invariavelmente, terminava em gozo. Ele tocava seus lábios e apoderava-se com fulgor de sua boca, enquanto ela fechava os olhos em frenesi, e se entregava por inteira àquele momento de puro êxtase, sentindo o calor invadir suas entranhas. Em sua companhia se sentia fêmea em sua forma mais bruta, exalando adrenalina por todos os poros, e ansiando por mais, cada vez mais. Quando enfim , tonta de tanta excitação, abria calmamente os olhos, depois de sorver cada gota daquele instante único, seus lábios irrompiam num sorriso satisfeito.
Foram seus amigos que acenaram o perigo. No fundo ela sabia que a relação estava fora de controle, e que seus encontros estavam adquirindo contornos doentios. Já não exalava o viço de outrora, mas não podia mais se furtar de sua presença. Ele se tornara sua droga particular e a consumia a olhos vistos. Por ele abandonara hábitos, amigos, horários, sono. E haveria de abandonar muito mais, se não tivesse sido levada as pressas ao hospital naquela manhã de primavera, ardendo na febre do desejo que sua ausência prolongada provocava.

Implorou que seus amigos o levassem até seu encontro. Suas súplicas foram em vão. Ele se tornara persona non grata naquela enfermaria.

Aqueles dias nublaram sua mente. Uma tristeza profunda apoderou-se de seu corpo inerte, e nada mais fazia sentido. O brilho de seus olhos foi tragado pelas olheiras imensas que marcavam agora sua face. Uma dor aguda irrompia-lhe o peito, alastrando-se por seu abdômen. Era a manifestação física de sua paixão.

As palavras proferidas sem compaixão pelo médico ainda ecoavam em sua mente, revirando toda sorte de sentimentos e lembranças. Não estava preparada para abrir mão daquela sensação de liberdade desenfreada que ele causava nela. Com ele sentia-se poderosa, indestrutível... viva.

Mas não tivera outra alternativa.

Levantou-se vagarosamente da cama, enfrentou o vazio que embaçava a janela do quarto hospitalar, encheu um copo com água cristalina e sorveu pequenos goles sem muita vontade. Sentou na beirada da cama ainda com o copo na mão, e deixou seu pensamento voar enquanto balançava o líquido transparente e insípido.

Trocou de roupa, pegou suas coisas e enfiou dentro da bolsa a receita médica que escancarava sua sentença de morte. A paleta de sua vida estava prestes a adquirir tons desbotados. Sua existência estava condenada a amordaçar os sentidos. Olhou para o quarto inóspito que se tornara a testemunha ocular de sua agonia e decidiu, ao menos, tentar.

E foi assim que deixou de tomar café espresso... para sempre.


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Duas faces...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 30.6.09



Embarcou no ônibus como fazia todos os dias. Procurou com os olhos a poltrona perto da janela, na última fila disponível. Sentou confortavelmente, acomodando a bolsa no colo e despertando pensamentos cotidianos. Foi arrancada de seus devaneios pelo burburinho que se instalara no recinto. Ao voltar a atenção à realidade, percebeu que estavam presos num congestionamento homérico em cima da ponte, cercados de carros por todos os lados. Buzinas, cenhos franzidos, pessoas irritadas, conversas paralelas que enveredavam para a falta de estrutura digna, e descambavam na corrupção que se instalara na política (como se os problemas do país fossem resolvidos através do verbo despido de ação). Curiosa, observou a nuvem da discórdia lançar sombra sobre o semblante dos demais passageiros, turvando todo o ambiente.
Foi quando meio sem querer olhou para o lado. A cena era hipnotizante. O céu estava imaculadamente azul. O mar parecia um tapete desenhado por mãos divinas, com nuances que passavam pelo verde e escapavam furtivamente para o violeta. Gaivotas famintas faziam rasantes e dançavam sem se importar com possíveis telespectadores. Ao longe um barco solitário balançava ao sabor do vento, dando o toque que faltava no panorama bucólico. Se tivesse o dom artístico pulsando na veia, por certo puxaria um papel e imortalizaria aquela cena merecedora de uma paleta afinada, tamanha a perfeição.
Duas visões de um mesmo ponto.
Dois mundos paralelos coexistindo no limite do confronto.
Duas faces de uma mesma moeda.
Mergulhou profundamente na mansidão daquela paisagem pitoresca, ignorando todo o resto.
Bendito seja o livre arbítrio...

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel
Foto da ponte Hercílio Luz tirada dentro no ônibus trafegando na Ponte Colombo Salles/Florianópolis/SC - 06/07/2007


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Olá Sheila

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 21.6.09


Querida Sheila,


Hoje, 16 de maio de 1985, é uma data muito especial. Você está completando 15 anos de idade e adentrando num mundo novo. Um dos pés insiste em permanecer na infância, enquanto o outro quer pular direto para a idade adulta. Daqui a um tempo, você irá querer mesmo é curtir a adolescência perdida. Paradoxal, como grande parte de sua vida será.

Pare tudo (larga a barra de chocolate já!) e olhe ao seu redor neste momento. O que você vê? Ou melhor, quem colore a paisagem da sua existência? Parece que estou ouvindo você resmungar, no auge de sua rebeldia adolescente. Eu sei, você tem uma irmãzinha de 11 anos, que fará 12 daqui a alguns dias (sim, ela nasceu no SEU mês e ainda teve a cara de pau de vir ao mundo com olhos imaculadamente verdes). Já o seu irmãozinho completa hoje 7 aninhos (sim, ele foi mais ousado e nasceu no SEU dia).
Enfim, eu bem sei por que você chama o menino de "peste". Sim eu sei que ele "roubou" o dia do seu aniversário, e que a sua mãe foi levada à maternidade no meio da sua festinha. Mas, garota, o dia tem 24 horas, 12 para cada um não é mais que suficiente?
(helooooo, "get over it") Pois então, esse "pivete" irá crescer, e se tornar um homem maravilhoso. Mesmo sendo o caçula, saberá guiar o barco da família quando tudo o mais falhar. Você ficará orgulhosa da forma firme com que ele conduzirá a vida dele. E, de presente, ganhará mais uma irmã quando conhecer a pessoa maravilhosa que ele tomará por esposa. Por fim, irá se apaixonar pela criaturinha mais destrambelhada que existe na face da terra. Guarde seu nome: Meguie. Essa labradora espevitada trará novas cores para a nuance familiar.
Você quer saber da "chorona" de 11 anos, que fará 12 em alguns dias? Tudo bem, "peste" também (tinha me esquecido do quanto você sabe ser birrenta). Não se iluda, ela irá se tornar uma mulher forte, batalhadora, linda de corpo e alma. Estará do seu lado e lhe estenderá a mão em alguns momentos cruciais da sua vida. Você se orgulhará das escolhas e conquistas dela, sejam profissionais ou pessoais.

Sabe tudo aquilo que seus irmãos aprontam e hoje irritam você? Num futuro não muito distante, vocês recordarão destes momentos e darão grandes risadas. Sim, eu sei que você não acha a menor graça hoje. Mas os anos afinarão o seu senso de humor, e focarão seus olhos no que realmente importa. Seus irmãos se tornarão seus melhores amigos, portanto, não perca tempo afastando-os. Comece a respeitá-los desde pequenos. Eles serão essenciais na sua existência, e com eles você aprenderá grandes lições. Acredite, muitas serão às vezes em que você se inspirará em seus irmãos mais novos para tomar alguma decisão, ou consertar algum desvio de rota. Curta-os desde a mais tenra idade. Eles são tão maravilhosos em suas peculiaridades, e tão perfeitos até em suas imperfeições, que toda a eternidade será pouco para amá-los e desfrutar de suas companhias.
Dica importantíssima (pelo amor de Deus, ANOTA): quando você começar a trabalhar, e receber seu primeiro salário, compre todos os confeti´s que conseguir carregar. E dê TUDO aos seus irmãos. Não faz essa cara de pouco caso guria, me obedece que sou mais velha. DÁ TUDO PRA ELES! Aliás, faz isso por pelo menos 5 meses seguidos. Você não sabe o trauma que irá gerar nestas crianças se não fizer isso...
Outra dica: Eu sei que você e seus irmãos fazem brigadeiro escondido da sua mãe, e para ela não descobrir jogam a panela fora. Também sei que vocês procuram os chocolates que irão ganhar na Páscoa. E ainda abrem cirurgicamente a caixa de chocolate garoto, tiram os chocolates puros e deixam só os recheados. E depois colam a embalagem com esmalte incolor e colocam de volta. Sei que seus pais sempre ameaçam trocar de marca porque na caixa garoto só tem chocolates recheados. Pois então... pode continuar a fazer isso sem medo. Seus pais nunca irão descobrir e continuarão a comprar as deliciosas caixa garoto.

Não! Você não é adotada (você me sai com cada uma). Os desentendimentos que você tem com seus pais são absurdamente normais. Acredite, com o tempo e o avançar dos anos (e muita cabeçada, diga-se de passagem), você desenvolverá uma certa sabedoria, e entenderá que os seus pais são seres humanos, e, por isso mesmo, passíveis de erros e acertos, como quaisquer outras pessoas. Também eles são aprendizes no jardim de infância da vida. Eles também sofreram, também carregam traumas e desilusões, e, muitas vezes (para não dizer sempre) abdicaram de sua própria vida em prol da sua e de seus irmãos. Com o tempo você vai entender que cada pessoa tem uma forma de demonstrar amor. E que no fim das contas, o que importa não é a forma, mas, sim, o sentimento em si. Seus pais a amam, cada qual da sua maneira. Por isso, ame-os sempre, incondicionalmente. Eles são, e sempre serão, parte indissolúvel da sua vida. Um dia, você lembrará com carinho e saudade, inclusive do pacote de "filhós" que dividiu com seus irmãos, e entenderá que até mesmo as broncas e limites impostos por seus genitores contribuíram na formação da sua personalidade. Quando a maturidade aguçar seus sentidos, e você finalmente enxergar a riqueza que brota do seu cotidiano familiar, será eternamente grata a seus pais.

Seja mais paciente com suas avós. Aceite que elas são de outra época, e não precisam mudar para que você as ame. Mude você! Você não imagina a falta que elas ainda farão na sua vida, e o quanto os sagrados suspirinhos feitos pela Vó Minda, e a tangerina descascada milimetricamente pela Vó Cinda serão importantes no seu contexto de vida.
Preste atenção no que vou dizer agora: a vida impedirá que você esteja ao lado delas na hora em que partirem. A Vó Minda estará transformada pelo sofrimento, e você será compelida a afastar-se. Neste momento, esqueça o rosto contorcido que te fita e reclama e lembre-se da pessoa maravilhosa que povoou sua infância com histórias recheadas de amor, que segurava sua mão quando iam dormir, que colocava os ramalhetes de mato (que você insistia em chamar de flor) no vaso mais belo da casa, que comia seus bolinhos de lama sem se importar com a sujeira.
Não são momentos fugazes que definem uma pessoa, mas sim todo o seu conjunto de vida. Quanto a Vó Cinda, bem, você fará uma cirurgia (calma, nada para se assustar, vais tirar de letra) e mal se despedirá dela, pensando, claro, que a verá logo nos próximos dias. Pois bem, a vida tem outros planos. Ela será levada para o hospital enquanto estiveres fora, e não mais retornará para casa. Por isso, despeça-se sempre de uma pessoa como se fosse a última vez.
Diante de tudo isso que agora compartilho, só posso deixar o seguinte conselho: aproveite cada minuto de vida de suas avós, para mimá-las da mesma forma que elas a mimaram. Acredite, todos os momentos possíveis ainda serão poucos, e você irá se arrepender de cada segundo perdido.

Essas dores que você sente durante a menstruação, bem, infelizmente, você terá que conviver com ela um bom tempo. Tempo demais, arriscaria dizer. Claro, eu poderia lhe dizer exatamente o que você tem, e abreviar um bocado o sofrimento que ainda está por vir. Mas, me perdoe, não posso fazer isso. Você não compreenderá por certo minhas palavras no momento, mas toda a jornada empreendida no sentido de curar esse mal, ira lhe transformar numa pessoa mais forte, mais humana e, principalmente, mais... mulher. Mas, fica aqui pelo menos uma dica: ninguém poderá julgar o que você está sentindo melhor do que você mesma. Por isso, no dia em que um médico duvidar da sua sinceridade, não se questione nem se martirize. Mude de médico! Nunca se esqueça disso!

Faça terapia sem se preocupar com a opinião alheia. Louco é quem passa pela vida sem querer melhorar. Doido é quem tem medo de olhar para dentro. As pessoas que mais desdenham são as que mais precisam de compreensão. Muitas das batalhas que você irá enfrentar na vida serão melhor absorvidas graças ao apoio terapêutico. E nesta hora semanal ou mensal, dedique-se de corpo e alma a sua autodescoberta. Cure suas feridas. Encontre suas respostas. Quando não encontrá-las, reformule as perguntas. Cuide de você como seu mais precioso tesouro. Ninguém poderá preencher seus vazios, satisfazer seus desejos, correr atrás dos seus sonhos. Você se torna responsável por aquilo que cativa, lembra? Inclusive, e, principalmente, por você mesma! Aconteça o que acontecer, encontre na face que te fita no espelho sua melhor amiga. Aprenda com seus erros e não se julgue tanto. Seja paciente e eu lhe prometo: chegará um dia em que você se apaixonará perdidamente... por você mesma (e cá entre nós: você é meio doidinha sim, e não tem terapia no mundo que mudará isso... é o seu charme guria).

Acredite, os maiores revezes que acontecerão na sua vida se revelarão, no tempo próprio, em bênçãos (meu Deus, não estou agourando nada, sua vida não vai ser só desgraça, muita coisa boa também vai acontecer. Perde essa mania de distorcer os fatos desde cedo taurina geniosa).

Muitas vezes você verá as pessoas que mais ama enfrentando seus próprios medos, depressões e toda sorte de obstáculos. Você irá se sentir triste, frustrada, e tenderá a acompanhá-las até o fundo do poço. Controle seu impulso, pois a melhor maneira de auxiliá-las é não caindo junto. Elas precisarão de você inteira e forte para ajudá-las a sair. Você não poderá dar os passos por ninguém, mas nada a impedirá de acompanhar a caminhada, se fazer presente. Por isso, por mais que doa em seu coração o sofrimento alheio, trate de ficar bem. Só assim serás útil. Da mesma maneira que você aprendeu com seus tombos, também os outros precisarão tropeçar para conquistar a firmeza do passo. Seja uma companheira de viagem, mas não se transforme em muleta.

Sabe aquelas vezes em que você se sentiu abandonada, rejeitada e excluída? Você nunca esteve sozinha. Seu anjo da guarda é um capítulo a parte. O Ariel é realmente, de outro mundo... Você vai acertar e errar, e, às vezes, vai errar de novo... mas ele continuará do seu lado. Se quiser senti-lo, é só abrir seu coração.
Dica: passa logo pela fase de imaginar o Ariel com cabelinhos louros cacheados, batinha branca e asinhas de algodão. É humilhante para ele, e brochante para mim. No tocante a anjo da guarda você só precisa lembrar-se disso: George Clooney. Pronto! Acabou! ESQUECE o resto.

Dê o devido valor a cada um que cruzar a estrada de sua vida DURANTE o trajeto. Depois que a viagem terminar e cada um seguir seu próprio rumo, não adianta chorar. Alguns caminhos não podem jamais serem trilhados duas vezes. Por isso... esqueça um pouco o destino, e curta a companhia e a paisagem, pois, em alguns casos, não haverá segunda chance.

Pelo amor de Deus, pára de assistir tanto filme de terror, eles não acrescentarão absolutamente nada na sua vida. Quem viu um filme de vampiro viu todos... (tudo bem que estou lendo um livro de vampiros modernos, mas, vá lá, eu posso e... quer saber, vou usar agora toda a diplomacia que aprendi com muita terapia: CALA A BOCA e faz o que eu digo menina!).

Cuide de sua alimentação. Em determinado período da sua vida você irá parar de comer carne vermelha. Não perca tempo explicando para as pessoas os motivos. Você é senhora do seu corpo. Entretanto, cuide da reposição de ferro. Senão, daqui a alguns anos você terá uma bela anemia. Acredite, você não vai querer passar por essa experiência.

Tire muitas fotos, pois existem momentos únicos que jamais se repetirão. Guarde-as, como se fossem tesouros. Jogue tudo o mais fora. Mas, principalmente, viva intensamente cada um desses momentos. Assim, não fará a menor diferença quando as fotos amarelarem, porque cada pequeno detalhe estará devidamente impresso na sua memória... para sempre (poético o que escrevi não é mesmo? Só que a idade não poupa a memória, então, por via das dúvidas, tira as fotos e faz backup.. em vários lugares).

Poupe... você nunca sabe quando a maré financeira vai virar.

Cultive o hábito de escrever. Escreva para seus pais, seus irmãos, seus amigos, seu amor, e quando não tiver mais ninguém para ler suas palavras, escreva para si. No futuro, você se deliciará com suas implicâncias juvenis, e aprenderá muito com a sobriedade que cresce no seu interior através da vivência.
Dica: esqueça as senhas complicadas para os seus diários eletrônicos. Coloque senhas que sejam possíveis de ser lembradas (por favor, não se esqueça disso! Principalmente quando você ficar tentada a criar uma senha que tenha 16 dígitos. Pelo amor de Deus, o que pode estar descrito num arquivo que necessite de uma senha desta envergadura? Um assassinato? Affe... estou até hoje tentando decifrar).

Bom, "last but not least", óbvio que você quer saber da sua vida amorosa (aliás, é claro que você pulou todo o resto da carta só para ler esta parte... irritante ser previsível não é mesmo?).
Dica número um: ao invés de ficar pulando de cartomante em cartomante para descobrir o nome, endereço e cpf do seu príncipe encantando, atenda ao telefone quando aquela sua paquerinha do colégio ligar (sim, eu sei de tudo, esqueceu?). Aliás, abra uma poupança e guarde o dinheiro que seria usado com as cartomantes. Vamos ficar ricas, isso sim.
Dica número dois: pára de ficar enfiando facas na bananeira da vó no dia de Santo Antônio. Não vai aparecer as iniciais do nome do seu pretenso marido. Você só irá machucar a pobre da bananeira e estragar as facas da mãe.
Algumas pérolas sobre relacionamentos: (1) Nenhum príncipe encantado montado num cavalo branco virá salvá-la (a não ser nos romances da Janet Dailey e da Nora Roberts), e, diga-se de passagem, se por acaso vier, você corre o risco de ficar limpando bosta de cavalo o resto da vida enquanto o príncipe fica belo e formoso assistindo as safadas do BBB (nem vou perder meu tempo explicando a sigla, acredite, não vale a pena). (2) Se você beijar um sapo, ele vai continuar sendo um sapo. (3) Alguns sapos valem mais a pena do que supostos príncipes. (4) Há vida além de sapos e príncipes. Aliás, existe uma fauna inteira a ser devidamente explorada. (5) Esquece essa bobiça de tentar encontrar a metade da sua laranja. Você JÁ É uma laranja inteira (Jesus, só não vai sair por aí dizendo em voz alta "eu sou uma laranja, eu sou uma laranja", porque você vai parecer mais louca do que já é. Caramba menina, eu sei que você nem gosta muito de laranja, ESQUECE A FRUTA, presta atenção na mensagem que estou tentando passar. Affe! Que belo abacaxi...) .
Em tempo: Sabe a cartinha amor escrita pelo LF (viu, não vou revelar seus segredos aqui...) na primeira séria do primeiro grau (meu Deus, como você era precoce menina)? Não jogue fora sua boba. É a sua primeira cartinha de amor (quiça a última... não quero aqui entregar o jogo, mas o bofes de hoje em dia não gostam muito de escrever viu?) ... vai fazer falta quando você montar seu diário eletrônico...

Deixe de ficar sonhando acordada e viva...
Como diz aquele texto maravilhoso "Filtro solar" (não existe ainda no seu tempo? affe, falha minha), talvez você fique solteira, talvez não; talvez você case, talvez não; talvez você se divorcie aos 40, talvez não. O que posso dizer com certeza é que você irá se apaixonar, irá amar, e algumas vezes, as duas coisas ao mesmo tempo. Assim, quanto aos amores que irão por certo povoar sua vida, só posso dizer o seguinte: ame como se não existisse o amanhã. Deixe de se preocupar com a perfeição (ela não existe) e encare os defeitos como parte do pacote. Amores perfeitos existem somente no cinema. Na vida real, eles tem que se adaptar a problemas financeiros, tpm, dor de cabeça, rinite alérgica, vida profissional, pós-graduação e mestrado, filhos, amigos, tentações. Relaxe e você vai descobrir que tempero perfeito na vida de um casal está justamente nas suas pequenas imperfeições. Você irá perceber que será capaz de amar mais de uma vez, e cada uma delas será única. Não caia na besteira de comparar relações. Pessoas diferentes exigem posturas diferentes. Mas, vou tranquilizá-la: se eu tivesse o poder de alterar qualquer coisa no cenário de toda a sua vida, eu trocaria figurinos, falas e até enredos... mas não mudaria um só personagem. Todas as pessoas que entrarão na sua vida são muito especiais. Trate-as como tal, e o amor poderá acabar ou até mesmo transmutar... mas as pessoas, ahhh, essas permanecerão para sempre.

Pare de xingar Florianópolis, e comece a enxergar a beleza da ilha da magia. Você nunca sabe para onde o vento sul da existência poderá levá-la.

Nós duas temos uma longa caminhada pela frente juntas. Passaremos por momentos difíceis, mas teremos uma bela quota de momentos inesquecíveis. E, tudo isso servirá para que nos aproximemos cada vez mais. Juntas vamos empreender uma maravilhosa viagem de autoconhecimento. Muitas vezes, você olhará no espelho e verá a minha imagem. A recíproca será também verdadeira. Somos parte de uma mesma moeda (tá, tá, laranja, que seja... não larga o osso hein?), e mesmo assim, guardamos nossas particularidades. Prometo que estarei sempre ao seu lado. Voltarei a escrever.

Bom, até que eu resisti, mas não dá: anota aí no seu calendário de maio de 2009 (não reclama menina): "Sex and the City" completo por 5 X 39,90 na saraiva.com (não é pornografia... você vai entender no tempo certo, e evitar de gastar uma fortuna... hehehe... até parece né?).

Assinado: Sheila, hoje completando 39 anos.

PS1: Deixa de se preocupar como essa carta chegou nas suas mãos, se ela é verdadeira, se é falsa, se é fruto da sua imaginação ou foi deixada por extraterrestres (fala sério, você continua achando que não é deste planeta? Deixa de ler Stephen King). Vai viver guria, e não me decepcione. Estou na tpm e sem a menor paciência. Ass: Sheila-malvada (sim, ela sobreviveu aos anos e continua ativa e doida. Bom eu não queria deixar ela se manifestar, mas você bem sabe como ela é persuasiva né?).
PS2: A música de fundo é da banda Coldplay. Não, ela ainda não faz sucesso na sua época. Será amor a primeira "ouvida". Escolhi a música especialmente para você... presta atenção na letra... "Look at the stars, Look how they shine for you" (isso mesmo, continua investindo no inglês... o futuro te agradece e eu também... não precisaremos de legenda).

PS3: Quê? Onde estão os tremas e hífens no texto? Não, você não emburreceu com os anos, é que a gramática sofreu uma tremenda modificação. E pelo amor de Deus, eu abro aqui meu coração para você e vens me falar de trema? Affe... o próximo texto será escrito exclusivamente pela Sheila-malvada. Aguarde!

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Página em branco...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.6.09
Não mais desviei o olhar quando a página em branco me encarou, mal disfarçando sua ânsia incontida por palavras.
Pousei carinhosamente minhas mãos sobre o teclado, e deixei que meus dedos deslizassem num ritmo próprio, tresloucado o suficiente para impedir minha mente de acompanhá-los.
Enfim, livres para dar vazão as suas próprias memórias.
Acompanhei sua dança como mera espectadora, sem planos, mapas, correções ou expectativas.
Sem a mínima idéia do conteúdo daquele texto que estava se formando, nascendo aos pouquinhos sem se importar com a minha presença.
Um sentimento familiar me invadiu, e lágrimas tímidas umedeceram meus olhos, sem entretanto rolarem pela minha face.
Era uma festa particular sem direito a testemunhas.
Reconheci de imediato a emoção do reencontro com aquela parte de mim que sempre tem o condão de colocar em verso o impronunciável, traduzir o indecifrável, relembrar o imemorável.
A parte de mim que mais sofre com minhas ausências do mundo real, com aqueles afastamentos inevitáveis, frutos de minhas visitas furtivas aos meus desertos internos.
De tempos em tempos sou abraçada por longo período do silêncio, encharcado de significado. Um silêncio morno, envolvente e enriquecedor. Um silêncio que jamais me deixa só ou permite que a tristeza se acomode. Muito pelo contrário. É o momento de calmaria que sempre se instala depois de alguma devastação causada por tempestades que a experiência impõe ao longo da jornada.
Muito lutei contra essa introspecção. Hoje, aos poucos, aprendo a respeitar minhas estações. Curtir meus verões, respeitar meus invernos, amar minhas primaveras, e, sobretudo, aceitar a poda dos meus outonos. Talvez esteja, enfim, amadurecendo.
Apesar do descanso reparador vital para meu bem-estar, é muito bom sentir novamente aquele rebuliço de palavras ecoando pela mente, tentando fugir por todos os poros, se digladiando entre verbos, adjetivos e substantivos, e explodindo em gozo diante da frase perfeita.
A modernidade nos atropela e nossa atenção é quase que instintivamente atraída para fora.
Diante de nossa relutância em cuidar dos jardins da alma, a própria vida se encarrega de frear.
É quando chocamos de frente com algum obstáculo que nos desfragmenta, nos reduz a meros caquinhos espalhados pela calçada da existência.
Só assim paramos, e somos forçados a prestar atenção a cada ínfima parte de nós. No intuito de restaurar o mais rápido possível o movimento, nos focamos no estrago causado pela nossa falta de atenção. E assim, jogamos fora o que não mais nos pertence, colamos pedaços desiludidos, lustramos lascas empoeiradas pelo esquecimento, olhamos a mesma imagem por diversos ângulos, até que finalmente enxergamos a sua verdadeira face.
Apesar de todo o crescimento que esses momentos nos trazem,
é sempre muito bom estar de volta,
plenamente
... inteira!

"A gente cresce sempre, sem saber para onde"
(João Guimarães Rosa)

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