Recebi hoje (como sempre, providencialmente), um texto que não só amo como assino embaixo. Em "A tristeza permitida", Martha Medeiros diz, em suma, o seguinte:
"Tem dias que não estamos pra samba, pra rock, pra hip hop, e nem por isso devemos buscar pílulas mágicas para camuflar nossa introspecção, nem aceitar convites para festas em que nada temos para brindar. Que nos deixem quietos, que quietude é armazenamento de força e sabedoria, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor — até que venha a próxima, normais que somos."
O texto não é, nem de longe, um culto a tristeza, mas sim um fiel defensor do nosso direito a períodos de introspecção. Porque, explica a autora, "ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro da nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido. Depressão é coisa muito mais séria, contínua e complexa. Estar triste é estar atento a si próprio, é estar desapontado com alguém, com vários ou com si mesmo, é estar um pouco cansado de certas repetições, é descobrir-se frágil num dia qualquer, sem uma razão aparente — as razões têm essa mania de serem discretas."
Mais um ponto para a Martha.
Hoje reconheço claramente as manifestações da minha alma (anos e anos de terapia :-). Quando a tristeza me alcança, a primeira coisa que providencia é o fechamento temporário da minha boca. Tenho uma necessidade visceral de ficar quieta. E, não é uma tentativa velada de ferir através da indiferença, ou de me proteger... é apenas a minha forma de focar toda a atenção para dentro de mim, porque é ali que está o problema... bem como, a solução. Acho que meu corpo inteiro se concentra na tarefa de restaurar minha harmonia, e até mesmo falar desperdiça uma energia que sequer disponho naquele momento em específico. Economia energética se torna o lema da vez.
Aliás, minha forma de verificar se estou em estado de "tristeza pura" ou em estado de "pura birra" (sim, sim, a Sheila birrenta às vezes tenta me passar a rasteira), é me fitando no espelho. Nestas horas a célebre frase "os olhos são o espelho da alma" não poderia ser mais adequada (e real). Um exame mais acurado revela que os olhos adquiriram uma outra tonalidade, perderam um pouco do brilho habitual, enfim, estão fechados para balanço. Minha sensação é de que eles estão chorando, sem entretanto derramarem qualquer lágrima (lembre-se que estou economizando).
Neste aspecto, acredito que ao longo da vida tenha conhecido de perto os extremos: ou escapava da tristeza como o diabo foge da cruz (assistia comédias, devorava livros alto astral, forçava a gargalhada e colocava colírio nos olhos), ou a cultivava como um bichinho de estimação extremamente frágil (ouvia àquelas músicas que até em estado normal me fazem soluçar, lia obituários e imaginava cada morte em detalhes, dando asas à minha imaginação trágica e exagerada... entendeu porque faço terapia?).
Hoje, talvez, esteja mais perto do equilíbrio. Quando esse sentimento me alcança, não fujo nem o abraço incondicionalmente. Apenas permito que ele se apodere do meu corpo, da minha mente e alma, e transmita o seu recado. Não o repilo, nem o afugento antes da hora.
Antigamente, tinha necessidade de falar, de expressar minha dor de todas as formas possíveis, de ferir na mesma proporção do meu ferimento, de conversar reiteradamente sobre o assunto com amigos, familiares, enfim, qualquer pobre coitado que atravessasse meu caminho. Hoje, o silêncio tem o poder de restaurar quase tudo, não preciso mais escutar o som da minha voz... a conversação é privada, de dentro para dentro. Talvez seja um demonstrativo de que minha auto-estima esteja melhorando, e de que hoje (finalmente!), eu possa contar comigo para o que der e vier.
Nosso Criador pensou em tudo. Meu corpo é uma máquina perfeita, que, quando realinhado com mente e espírito, sabe exatamente a hora de abrir a boca novamente. É só ter paciência para respeitar seu ritmo sagrado, e não tentar forçar a concha que se formou ao meu redor... no momento certo, ou, melhor dizendo, no "meu" momento certo, ela abrirá espontaneamente (óooooobvio, que neste ínterim, toda e qualquer forma de carinho será sempre muito bem-vinda, e poderá até agilizar todo o processo :-).
É libertador quando você passa a assumir sua cota de responsabilidade quanto a tristeza. Porque, a partir do momento em que você próprio cata, avalia e restaura os caquinhos e fissuras que se instalaram na alma, não mais precisa dar explicações a ninguém, e pode ainda seguir no ritmo que bem entender. Além do mais, você deixa de colocar seu bem-estar na mão de terceiros. Só que às vezes, essa liberdade se revela por demais... solitária. Nestas horas, quem sabe, vale colocar uma música e cantar a plenos pulmões... e se permitir embalar ao som da própria voz.
"De quando em quando, é imprescindível que dialogues contigo mesmo.
Que te contemples, a sós, na face espelhada da consciência.
Que te indagues quanto aos teus propósitos na vida.
Que efetues honesto balanço de tuas ações.
Que não sustentes qualquer ilusão a teu respeito.
Que não representes para ti mesmo.
Que te desnudes no silêncio de tuas reflexões.
Que te vejas como não ousas mostrar-se aos outros.
Que analises as tuas tendências e conheças as tuas inclinações.
Que estejas com Deus, sem que ninguém mais esteja contigo."
(Carlos Bacceli / Irmão José)
Danni Carlos - Coisas que eu sei