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Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 27.3.09

Quando a realidade nos tira o chão
Só nos resta abrir as asas da imaginação
E voar...
Por certo, quando aterrissarmos
Nossos pés estarão mais firmes

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

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Descalça...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 24.3.09

Às vezes é preciso despir a roupa da preocupação
E andar descalça na areia dos sonhos
Sentindo na planta dos pés
A aspereza do permitido
Roçando de leve a consciência
Seduzida por segundos
Pela maciez do proibido
E neste paradoxo de possibilidades
Deixar marcas indeléveis
No exato limite do aceitável
E quando o torpor da fantasia invadir o corpo
Jogar-se entregue nas ondas do destino
Ignorando a bandeira vermelha do medo
Deixando que o mar da vida lave a alma encardida pelo sofrimento
E devolva a leveza da esperança perdida
São esses pequenos goles de silêncio
Que nos permitem atravessar, ilesos, os desertos da existência

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

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Mar...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 23.3.09

Hoje eu me entreguei às ondas do mar
E em suas águas deixei meus medos
Na areia macia firmei o propósito
De me afogar nos meus vazios
E voltar inteira

Foto by Sheila Cristina Andrade Scheibel - Praia do Santinho/Florianópolis/SC - 23/03/2009

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Filhós...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 21.3.09

Hoje pela manhã, enquanto comia mecanicamente uma bolacha de chocolate mergulhada no café preto, fui atingida por um momento de nostalgia. Minha memória foi ativada pelo cheirinho do café ou, talvez, pelo tilintar da bolacha na minha boca. De repente, uma série de lembranças adoçaram o meu desjejum.
Meus pais sempre cuidaram da alimentação de seus rebentos com afinco. Nossa mesa tinha o controle de qualidade afiado de minha mãe. Em sua maioria, os quitutes, massas, sucos naturais, geléias, sobremesas, sanduíches, eram feitos pelas mãos maternas. Não escapamos do terrível bife de fígado para manter a anemia longe. Muito menos do fortificante “Emulsão de Scott” com seu indescritível sabor de óleo de fígado de bacalhau. E como esquecer do “leite de magnésia”? Não tenho a menor idéia de sua real finalidade. Mas nunca esqueci seu gosto horrível.
Ignorando toda esta dinâmica, existia o tão esperado final de semana. Naqueles dois dias inteiros algumas regras eram quebradas. Com o devido comedimento, é claro. E hoje, analisando meu passado como um todo, percebo que esses pequenos detalhes do cotidiano se sobressaem, como feixes de luzes coloridas, que dão uma nuance toda especial a minha infância.
Sábado pela manhã era o dia em que comíamos bolacha São Luiz ou "filhós" de chocolate. Aliás, vou me permitir abrir parênteses. Só depois de adultos eu e meus irmãos descobrimos que o nome “científico” do "filhós" era "wafer". Não lembro quem foi que nos ensinou essa pérola. Provavelmente, uma de nossas avós, que, por sinal, são uma história a parte. Mas, até hoje esse fato rende gostosas gargalhadas. Perdemos a conta das vezes em que declaramos, em uma roda de amigos, nossa adoração pelo “filhós”. Cada qual tem sua própria história de vexame particular, caras espantadas, pegações no pé. Mas, hoje lembro com carinho dessa particularidade. É uma piada seleta, com código próprio, e que pertence exclusivamente ao nosso universo familiar.
Era um pacote apenas, dividido religiosamente entre nós três. Lembro como se fosse hoje. Meu irmão abria a bolacha recheada São Luiz, e, primeiro, comia o recheio. Depois, a parte de cima, e, por fim a parte de baixo. Já o "filhós", nós três adorávamos abrir fileira por fileira, apreciando o recheio de chocolate, e depois sentindo o crocante da casquinha estalar na boca. Qualquer artifício que prolongasse aqueles momentos de prazer era usado com sabedoria.
Depois deste manjar dos deuses, era a hora de acompanhar nossos pais ao centro da cidade, onde eles faziam compras, pagavam contas, enfim cuidavam dessa parte burocrática da vida adulta, que pouco nos interessava na época. E nós acompanhávamos, ora de cara amarrada, ora resmungando, ora nos divertindo com as vitrines coloridas e seus apelos. Entretanto, a promessa do meio-dia sempre tinha o condão de nos manter na linha. Claro, antes de fazer um lanche, passávamos na inesquecível banca "Casa das Revistas", onde ficávamos fascinados com a quantidade de revistas e livros cheirando a novidade. E, óbvio, cada qual sairia de posse de seu gibi favorito (o meu era o Pato Donald). Dependendo dos compromissos de meus pais, íamos à galeria Marcos Grossenbacher, que entremeia duas grandes avenidas do centro de Joinville. E lá no meio do labirinto de corredores, entrávamos num boteco familiar, e comíamos uma deliciosa coxinha de galinha caseira, com um copo de mate ou, melhor ainda, caldo de cana. Agora, se a pedida fosse um “x-salada”, daí, por certo, a festa estava feita. Éramos só sorrisos na face – e maionese –.
Quando chegávamos em casa, recebíamos nossa cota-parte de uma barra de chocolate Garoto, ou, talvez, uma caixa de Bis devidamente dividida (preciso dizer que comíamos da mesma forma que o “filhós”?). E saboreávamos cada partícula daquela guloseima, lendo nossa mais recente história em quadrinho.
Depois de toda essa aventura, dormíamos ansiosos, aguardando o domingo, quando então acompanhávamos nosso pai até a "Churrascaria Familiar", onde aguardávamos pacientemente que os atendentes enchessem a marmita de alumínio, e principalmente, a enorme travessa de porcelana que já trouxéramos de casa. O caminho de volta para casa, com o carro recendendo aquele aroma inconfundível do churrasco da Familiar, era uma tortura a qual adorávamos nos submeter. Sentar a mesa e desfrutar do churrasco, molho e maionese (o resto não importava) acompanhado de um litro de coca-cola (outro luxo do fim de semana), era um ritual delicioso. Meus irmãos insistem em dizer que eu, aproveitando o fato de ser mais velha, forte e maior, sempre roubava a melhor parte da carne: o mignon. Eu prefiro acreditar que apenas estava no lugar certo, no momento exato – e com a faca correta nas mãos –.
No final da tarde, saíamos todos de carro, com o rádio ligado, passeando pela cidade, e conhecendo os caminhos, becos e atalhos que só meu pai conhece. E, como sempre, quando estávamos chegando perto da rua de nossa casa, choramingávamos para que nosso pai passasse reto e passeasse mais um pouquinho. Ele sempre passava.
Hoje vejo crianças pequenas se empanturrando de McDonald's e litros de refrigerante, de segunda a domingo, comendo chocolate hora sim, hora não, como se fosse água, tamanha a naturalidade, sem sequer ter noção do que é degustar alguma coisa. Atualmente, os pequenos ganham bonecas falantes e carros eletrônicos na Páscoa, afinal, chocolate perdeu a graça, pois está disponível o ano inteiro. É uma pena. A pressa da vida moderna, acabou por assassinar certos rituais, que são imprescindíveis para um desenvolvimento emocional saudável. São o divisor de águas entre a existência fruída detalhe a detalhe e àquela vivência engolida sem mastigação. A vida, por certo, está perdendo aos poucos seu inigualável e elaborado sabor, e virando fast food.
Claro que na época eu não enxergava isso. O que eu mais desejava era comer dois pacotes de bolacha São Luiz sozinha. E, todo dia! Por certo destilei minha birra juvenil por todos os poros. Mas, hoje, de posse de todas as facilidades que a modernidade coloca aos meus pés, reconheço que foram justamente esses limites impostos pelos meus pais, que fizeram toda a diferença, a ponto de transformar um simples "filhós" numa crônica recheada de lembranças, emoções e aromas. Que eu faço questão de saborear fileira por fileira, deixando o chocolate... para o FIM!

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Memórias de uma queixa...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 20.3.09

Tudo ia muito bem (obrigada!) no planeta do sedentarismo, país do ócio criativo, cidade da preguiça organizada. Até que uma reportagem capa da revista IstoÉ, intitulada "Os benefícios de correr" (ei... tudo na vida tem os seus prós... E os seus contras... unf...) abalaria o seu mundinho perfeito. Ela sabia que não estava ficando mais nova com o passar do tempo. Percebeu isso com o surgimento, de uma hora para a outra, de doenças esquisitas, metidas a besta com seus nomes pomposos. Algumas, inclusive, eram as preferidas dos médicos quando nenhum exame acusava nada; aliás, em sua maioria, os doutores tinham uma única certeza: se não é a moléstia X, nem a Y, nem a Z, então, bom, "só pode" ser a X1S67-A (de onde ela veio, e o que e pior, para onde vai, entretanto, é outra história cheia de suposições). Não podia mais tomar leite porque sofria de intolerância a lactose (mas eu mamei no peito, uai...). Só que o café preto tinha a tendência de irritar o intestino - SII - (será que intestino tem tpm?). Subir escada deixou de ser uma brincadeira prazerosa para transformar-se em absurda tortura (os vizinhos sempre sabiam quando ela chegava em casa, pois vinha gemendo e reclamando desde o primeiro degrau, até o último). Enfim, a realidade não estava sendo nem um pouco piedosa com ela, e o espelho não negava: celulite na floresta amazônica e arredores, gordurinha no planalto central, estrias no nordeste e sudeste, enfim, coisas sobrando em todo território nacional...
Ela sabia também que àquela famigerada reportagem colocaria em xeque todas as desculpas esfarrapadas até então apresentadas ao seu amado namorado para evitar qualquer tipo de caminhada:

- Amor, vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque tenho que lavar roupa.
- Ué, lava depois que a gente voltar...
- Ahhh, adoraria. Mas é uma mancha de café misturada com a seiva de jabuticada silvestre, e tem que ser lavada exatamente às 18h38m, porque a conjuntura da linha do sol pegando no solado da lua favorece o esbranquiçamento do tecido feito de algodão puro produzido no leste da Malásia...

- Amor, a roupa está lavada... vamos caminhar hoje?
- Ahhh, não vai dar porque meu pai pode ligar.
- Ué, vai ficar registrado no bina, depois você retorna...
- Ahhh, adoraria. Mas meu pai está passando por uma fase pós-terceira-idade extremamente caótica-sensível, e qualquer tentativa de falar comigo sem sucesso pode gerar uma crise exacerbada de rejeição acelerada pela ausência da minha presença na vida paterno-fetal...

Enfim, ela até tentou esconder a revista debaixo de uma pilha de inutilidades. Mas, não adiantou muito... o radar pró-saúde de seu namorado captou a palavra "saudável" com a mesma eficiência que uma mulher na TPM farejaria uma barra de chocolate disfarçada de laxante natural a milhas de distância.
Ele, na mais profunda inocência, perguntou:
- Você leu a reportagem amor?
- Anrã. Achei meio superficial, nem vale a pena perder seu... (tarde demais, ele já estava devorando a bendita)... tempo.... Aff...
- Superficial? Você achou superficial as 10 páginas seguidas de estudos, testemunhos, fotos, documentários, blá.. blá... blá... (ela nem ouvia mais nada... sabia que tinha perdido a batalha... intuia que a guerra também estava seriamente comprometida)

- E então amor, depois de ler esta matéria, vamos caminhar amanhã?
- Hummm... (bom, seria uma boa oportunidade para eu estrear aquela bermudinha azul, que combina com o tênis e a bijuteria que ganhei no natal...). Ahhh, claro amorzinho, saúde em primeiro lugar (será que tenho uma meia para combinar?).

E o amanhã, finalmente chega (e a porcaria da previsão do tempo estava errada, para variar... cadê a chuva??? e a frente fria???). Ela se arruma com esmero, e, contagiada pelo visual malhação, acompanha o namorado toda animada. Ele, preocupado, comenta que a corrente que ela estava usando, poderia atrapalhar na hora de correr. Ao que ela responde, solícita: - Que nada amor! (aff, me conhecendo, no ritmo lerdo que vou andar, a corrente não vai nem sair do lugar... poderia muito bem estar usando um cocar que também não iria atrapalhar meu... "ritmo"). E chegam no parque (caramba, de longe parece menor essa pista... afff).
E começa a maratona...

Volta 1:
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo, meu tesouro... uhuuuu... Foi uma benção essa reportagem chegar nas nossas mãos. Porque a vida é linda, o amor é belo, você me encanta, e o universo conspira para que os sonhos se realizem... e que delícia caminhar entre esses cachorrinhos lindos que brincam por aqui...
Daqui a pouco tempo vou estar correndo igual àquela moça loira simpática de agasalho vermelho... nooosssaaa, ela correndo daquele jeito e ainda tem fôlego para distribuir sorrisos... (e embalada pela liberação momentânea de endorfina por todos os seus poros, ela seguia saltitante pela pista de corrida, saudando o céu, o sol, os pássaros, o mar, enfim, a vida ma-ra-vi-lho-sa que se desenrolava ao seu redor... E ela inspirava o ar puro por seus pulmões virgens de exercícios, deixando as narinas absorverem aquele nectar dos deuses. Abria os braços de forma a poder abraçar todo aquele cenário benfazejo).
Volta 2: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor, meu lindo... uhuuu... Que coisa gostosinha que é essa tal caminhada. É só não andar muito rápido e respirar ao mesmo tempo. Olha só... a loirinha sorriu novamente... puxa vida,
que gente de bem com a vida (e ela continuava encantada, aspirando oxigênio e louvando aquele momento de encontro sagrado com a natureza).
Volta 3: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii meu amor... uhuu... Putz grila, daqui a pouco tropeço numa destas bolas de pelos que estão correndo soltos por aí. Se tiver que desviar mais uma vez, vou ligar pra carrocinha. Cachorrada chata, tá doido... Ahhh, não acredito que essa bisca loira-à-lá-blondor passou por mim de novo sorrindo? Fala sério? Só pode ser efeito de anabolizante... ela faz bem o tipinho mesmo com aquele collant vulgar (continuava caminhando, a passos, cada vez mais tropeços... mas evitava erguer os braços para não dar cãimbra... também fechou a matraca para economizar oxigênio).
Volta 4: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhu... Olha aqui "meu filho", acho que precisamos repensar a relação. Cara, o que é que tu tem contra mim? Só te dou amor e compreensão, e é assim que me retribuis? Tentando me matar de forma lenta e dolorosa? Te acostuma com a celulite, porque ela é de estimação... e a aponevrose já veio de fábrica. Se eu não estivesse tão moída, quebrava os dentes desta loira-filhote-de-cruz-credo... está rindo de que a infeliz? Ela já não cozinha mais na primeira fervura... (E o corpo começou a responder de forma cadenciada.... a perna ameaçou fazer greve caso não fosse cumprida a risca o horário de descanso... os braços simplesmente paralizaram em protesto silencioso... o pulmão já não aguentava mais aquele ar puro todo... a boca seca clamava por uma coca-cola gelada... normal, pelo amor de Deus... me oferece a "zero" se quiser conhecer Jesus mais cedo).
Volta 5: - Aiiiiiiiiiiiiiiiiii... uhuiiiiiiiiiii...Vou queimar essa droga de revista em praça pública, ela é um perigo para a saúde dos incautos. Aliás vou acionar judicialmente por propaganda enganosa, afinal, ela alardeia que a prática da caminhada leva ao paraíso... só esquece de alertar que, primeiro, tem um estágio obrigatório no inferno. (E ela, ofegante... se arrastava na pista... E a tal da endorfina? A "en" deu no pé logo na segunda volta. Já a "fina" caiu dura na quarta. Só ficou mesmo a droga da dor... essa não arredava o pé... grudou feito carrapato. Aliás, ela tinha que escolher: ou respirava ou caminhava ou piscava, porque os três juntos era impossível).
Volta 6: - (...) ai... ui...

De volta ao doce lar (de onde, diga-se de passagem, não deveria ter saído), ela rasteja até o sofá e se entrega a exercitar os músculos de seu cérebro (esse tipo de exercício, sim, é inofensivo) Assim, pensando com seus botões (qualquer tentativa de levantar os botões poderia se tornar desastrosa), ela decide que não se deixará abater... afinal, não vai ser uma mísera dor insuportável em todas as fibras de seu ser, aliada a um intestino irritável estressado, sono, dificuldade para respirar, se mexer e raciocinar, que vai impedí-la de voltar a caminhar... afinal, como dizia a sábia filósofa Scarlett O'hara, amanhã é um novo dia (pena que ela terá que esperar a ligação do pai dela que quer saber, com riqueza de detalhes, a mandinga certa para se livrar da mancha de café misturada com essência de jabuticada silvestre... nossa... é o tipo de conversa que poderá levar meses... seu pai demora um pouco para entender...).

PS: Qualquer semelhança com o que aconteceu nesta semana, é mera coincidência...

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Rasgando o verbo nas entrelinhas...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 17.3.09


Quando criei este blog, não sabia ainda qual seria o rumo de seus versos.
O título, Yada... Yada... Yada..., retirado do sitcom "Seinfield", retratava fielmente esta incógnita...
Textos sobre o nada...
Mas, tudo na vida está em constante movimento
Até as sementes mais despretensiosas
Precisam de tempo para se desenvolver
Amadurecer...
Assim, a medida que os dias foram passando,
E a inspiração foi ditando as regras,
Pude finalmente tirar o véu do rosto
E revelar minha verdadeira face...
Descobri que o que me encanta mesmo
É rasgar o verbo em rompantes que só explodem nas entrelinhas
É colocar na mesma frase palavras estéreis que juntas destilam impacto
É navegar ora na superficialidade dos eventos do cotidiano
Ora na profundidade dos meus sentimentos mais arraigados
É desnudar minha alma sem precisar tirar a roupa das emoções
É esse impulso incontrolável que move meus dedos
E arrebata meu coração.
Muito prazer
Esta
Sou eu!


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Foto...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 16.3.09

Há algo mágico na arte de fotografar.
Em fração de segundos adquirimos o poder de capturar,
com perfeição,
um momento ímpar.
Aquele acontecimento em específico,
nunca se repetirá com as mesmas
peculiaridades e nuances,
com os mesmos sorrisos e tonalidades,
com o mesmo sentimento realçado pelo flash.
Mas, enquanto estivermos de posse do negativo,
seremos capazes de reavivar o irreproduzível,
reviver o irresgatável,
eternizar o dissolúvel.
E, apesar do galope dos anos,
da modificação natural da paisagem,
da segregação dos elos,
do verão ter sucedido ao inverno infinitas vezes,
de todo flagrante harmonioso ter perdido a sintonia,
do pano de fundo ter desaparecido,
de todo conjunto fotografado estar absurdamente diferente.
Naquela foto amarelada pelo tempo,
tudo vai permanecer,
para sempre,
exatamente...
igual!

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Brincadeiras...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 4.3.09

Gosto de me revelar através de frases elaboradas
Tanto quanto de me esconder nas entrelinhas
E nesta paradoxal brincadeira
Exposta de uma maneira velada
Vou me descobrindo...

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Amanhã...

Posted by Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ Sheila Ƹ̵̡Ӝ̵̨̄Ʒ on 3.3.09

Acordou naquele sábado cheia de intenções. Abriu os olhos e espreguiçou-se vagarosamente na cama com lençóis de linho florido. Calçou os chinelos macios, evitou o espelho e seguiu para a cozinha. Abriu a geladeira e seus olhos pousaram no pedaço generoso de torta feita com uma espécie de suspiro com o famoso chocolate francês Valrhona, contendo ainda pedaços de nozes e castanhas fartamente acomodados na camada de mousse que finalizava esse doce pecado. Comprara a iguaria na noite anterior, pensando em saboreá-la na companhia de um delicioso café da tarde e um bom livro, degustados na varanda de seu apartamento recém adquirido. Não tinha a menor graça comer tal delikatessen na correria do café da manhã, preparado sem qualquer ritual. Torcendo o nariz diante de tal blasfêmia, apanhou a garrafa de leite semi-desnatado, tomou um gole no próprio gargalo e mastigou três bolachas água e sal.

Enquanto engolia sem muito empenho, instintivamente seus olhos foram atraídos para a garrafa do "Château Lafite Rothschild 2000" que ganhara no natal passado, e ocupava lugar de destaque na adega que instalara na cozinha. Seus instintos mais primitivos imploravam para saborear ao menos um gole daquela preciosidade curtida em barricas de carvalho francês, qualificada pelos especialistas como néctar dos deuses com notas de frutas vermelhas frescas. Mas, havia imaginado como acompanhamento um jantar a dois, luz de velas aromáticas, Marisa Monte cantando baixinho, salmão grelhado ao molho de maracujá, ladeado por uma salada imaculadamente verde, batatas cozidas e arroz branco. Quem sabe até ousaria fazer seu famoso musseline de alho-poró. Era verdade que tinha todos os ingredientes a mão. Faltava era a companhia masculina que se encaixasse perfeitamente neste cenário elaborado. Balançou a cabeça de forma a afastar os devaneios que estavam consumindo preciosos minutos de seu tempo, e retomou o foco.

Seguiu para o quarto, abriu a porta do armário, e, como sempre, seus olhos foram seduzidos pelo cabide bege forrado com seda persa. Ele segurava cuidadosamente o vestido de honra de seu guarda-roupa. Sempre perdia o fôlego quando olhava aquela peça amarela esvoaçante. Comprara o traje numa boutique famosa, em uma de suas viagens a trabalho. Perdera a conta dos locais que já havia imaginado incendiar com essa roupa. Mas, como de praxe, ainda não encontrara o ambiente perfeito para harmonizar com o figurino. Não iria colocar justo esse vestido numa festa qualquer. Amanhã é um novo dia, costumava dizer. Irritada com as interrupções mentais, pegou a calça jeans desbotada velha de guerra, uma camiseta básica branca e foi escolher o sapato. A caixa prateada Jimmy Choo reluzia no canto direito de seu closet. Ganhara como prêmio há três anos atrás, por destacar-se como a mais arrojada e promissora profissional da agência onde trabalhava há mais de uma década. Era o tipo de sapato que conversava diretamente com o ego feminino. Era capaz de transformar qualquer gata borralheira numa Carrie Bradshaw. Haveria de selecionar um evento digno para estrear essa arma da sedução. Quem sabe, pensou, no tão sonhado jantar a dois. Achou graça do pensamento e mecanicamente pegou o tênis branco encardido e confortável que clamava pela aposentaria. Foi atrás do brinco de madeira que comprou na feirinha hippie montada em frente a igreja, e que se revelara seu maior curinga. Antes, porém, deu uma olhada no conjunto delicado de berloque e brincos de ouro branco 18k e diamantes que ganhara de sua mãe em uma data especial qualquer. Sempre que os tocava, sentia-se envolta numa aura de proteção. Talvez por isso, considerava-os mais do que jóias: eram um amuleto. Até pensou em colocá-los, como aliás, sempre pensava, mas, para ir ao supermercado? Não tinha o menor cabimento, pensou, franzindo a testa. Passou para o cômodo seguinte e pegou a mochila marrom, não sem passar os olhos pela bolsa de couro Dior que adquirira por impulso no mês passado, depois de folhear uma revista de moda qualquer, enquanto aguardava sua consulta de rotina no dentista. Pior do que isto! Comprara a página inteira, que incluía uma echarpe de cashmere e seda e chapéu de palha. Anotou mentalmente que teria que dar o jeito de estrear amanhã a bolsa maravilhosa que lhe custara parte substancial do salário do mês, bem como os acessórios.

Titubeou antes de pegar a chave do carro. Passou a mão no telefone, discou os três primeiros números de um telefone mais que conhecido, mas desistiu bruscamente. Sua mãe teria que dar o braço a torcer desta vez. Já estavam nesta guerra silenciosa há quase quatro meses. Mas as palavras proferidas por sua genitora no calor da discussão ainda estavam quentes no seu coração. Até pensara em jogar a toalha e convidá-la para passear, mas, quer saber? Quem sabe amanhã eu esteja mais compreensiva, ponderou.

Passou a mão na mochila e saiu calmamente rumo ao supermercado. Ao passar pela beira-mar sentiu um impulso quase incontrolável de parar o carro e caminhar um pouco, sentindo a brisa e o calor morno do sol. Estava um dia lindo, com direito a céu azul, mar acarpetado e gaivotas se exibindo em rasantes magníficos. Era o típico dia que convidava ao deleite. Chegou a pisar no freio, mas desistiu. Amanhã, jurou, vou me dar essa caminhada de presente.
Estava tão envolvida com seus pensamentos e planos futuros, que não percebeu a agitação que se desenrolava do lado de fora do seu carro. Quando a caminhonete vermelha desgovernada invadiu sua pista e atingiu a porta do motorista, prensando seu automóvel contra o poste, não teve tempo de pensar. Ouviu seu próprio grito, sentiu os cacos de vidro ferirem sua pele, e tudo se fechou em profunda confusão. Viu sua vida se desenrolar em câmera lenta, como num filme amarelado e rasurado pelo tempo. Não sabe ao certo quanto tempo ficou cercada de metal por todos os lados. Na verdade, sequer tinha certeza de estar viva. Ouvia vozes, estalos, marteladas, serras elétricas a pleno vapor, sons que não faziam parte do seu cotidiano. De repente, abriram seu carro como se fosse uma lata de atum. E ela enfim saiu daquele inóspito túmulo de ferro ardiloso a que havia sido reduzido seu veículo.

Os policiais, paramédicos e curiosos a olhavam como olhariam para uma assombração. Não podia culpá-los.
A julgar pelo estado de seu carro, rebaixado a um amontoado de lata retorcida, era quase impossível acreditar que alguém poderia ter sobrevivido. Mas ela sobreviveu. Fisicamente intacta, fora parcos arranhões. Emocionalmente ainda estava presa nas ferragens, tentando entender o que acabara de acontecer. Alguém saiu da multidão que se aglomerara para acompanhar a cena fatídica e a abraçou de forma terna, sussurrando em seus ouvidos: "filha, é um milagre, você nasceu novamente". Ela estava confusa demais, anestesiada com o impacto dos acontecimentos, incapaz de responder a gentileza. Mas as palavras daquela estranha sem rosto ecoaram em sua mente e abriram portas em sua alma. Portas que há muito tempo estavam emperradas.
Resolveu como podia a burocracia com o seguro, guincho e outras faces pragmáticas do acidente. Ainda zonza, pegou um táxi e foi para casa.

Abriu a porta do apartamento vagarosamente, e adentrou seu lar como se fosse a primeira vez. Ligou o som da sala e foi direto para o quarto. Rompeu o lacre do kit de loções para banho "Love Spell"
da Victoria's Secret, que prometia ser uma profusa e deliciosa combinação da flor de cereja, muguet, maçã vermelha, pêssego da Georgia com toque de tamarindo. Enquanto Marisa Monte entoava "Preciso Me Encontrar", tomou um banho demorado, deixando a água reavivar cada fibra de seu ser. Enxugou-se delicadamente e deslizou o vestido amarelo no corpo. Calçou sua sandália Jimmy Choo e finalizou o visual com seu talismã. Foi para a cozinha, não sem antes fitar-se demoradamente na frente do espelho. Abriu a geladeira, rasgou o plástico de proteção das impecáveis cadeiras com estrutura de málaca e trançado de juta e sentou. Queria, ou melhor, precisava sentir a rusticidade do tecido roçando na sua pele. Despejou o Château na sua taça mais cara. Quando sentiu a explosão de sabores que o primeiro gole causou em sua boca, deixou que as lágrimas escorressem livremente pela sua face, dando um toque salgado às notas de madeira. Abriu a embalagem da delikatessen e aqueceu cada célula do seu corpo com o gosto exótico da torta de chocolate. Quando terminou de degustar o último pedaço, deslizou o dedo pelo prato, sentindo a textura areada da cobertura, e presenteou seus lábios com o restinho do sabor. Queria desfrutar na prática, cada gota de todos os prazeres que até então sempre estiveram ao alcance de suas mãos só na teoria.

Ainda embalada por aquele momento único de amor próprio, pegou o telefone e ousou discar todos os números. Sua mãe talvez não tenha compreendido o seu tom de voz, o seu pedido de perdão desengonçado ou mesmo as palavras que pareciam jorrar diretamente de seu coração. Palavras de amor que represara em seu íntimo desde a mais tenra idade e que, enfim, encontraram solo fértil no âmago daquela que lhe dera a vida. Choraram juntas, sem o menor pudor. Deixaram verter com toda a intensidade o sentimento que as unia, mas que esbarrava no orgulho forte de suas personalidades turronas. Fora o momento mais íntimo que desfrutaram ao longo de suas existências. O primeiro de muitos, pensou emocionada. Marcaram de jantar juntas. Desligou sentindo uma leveza que a fazia flutuar através de emoções até então desconhecidas. Olhou para o sol espetacular que ainda teimava em brilhar no horizonte e saiu.

Ninguém entendeu quando ela adentrou para caminhar na pista da beira-mar envolvida em brilho da cabeça aos pés e vestida com um glamour digno de festa VIP. Ela não se importava. Não agora. Nunca mais. Hoje era tudo que ela tinha. Afinal, o amanhã poderia se revelar um dia cheio de promessas irrealizadas.

E assim seguiu caminhando, a passos lentos mais firmes, sentindo o acariciar do vento na face e enchendo o ar daquela manhã ensolarada com seu perfume de maçã vermelha e pêssego. Estava tão satisfeita consigo que devolvia aos olhares reprovadores um sorriso cuja sinceridade ainda lhe era estranha.
Descobriu, enfim, que esse era o momento mais especial da sua vida. Passou a nutrir sincera afeição por si e, comovida, constatou que estava na melhor companhia que alguém poderia ter. E tudo isso porque sentiu o hálito do destino sussurrar no ouvido de sua alma. Sentiu na pele o poder do quase. Precisou quase morrer para começar a viver.

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